fevereiro 28, 2018

TUDO DE NOVO

fevereiro 28, 2018


Por: Amanda.

É 2018. É janeiro de novo. 12 meses de novo. Tudo começa mais uma vez. No começo de janeiro a saudade do Rio de Janeiro já batia na hora de ir embora. Dia 04 de janeiro minhas férias estavam no fim. Cheguei em casa. Em Campo Grande. As aulas do teatro voltavam dia 15. Dia 15 tudo recomeçava. E que medo isso me deu. Janeiro foi um mês de muita ansiedade, muita angústia. Eu tenho pensado muito em 2018. E um novo ano me apavora por alguns momentos. E me empolga por outros. Na primeira aula desse ano tivemos duas horas de conversa com o Fernando. Compartilhei o que me dava tanta ansiedade e angústia. Em 2017 eu vivi um ano no teatro como nenhum outro que tinha vivido. Era tudo sempre novidade. E não sabia o que esperar. 2018 me apavora por pensar que talvez eu faça mais ideia de como as coisas funcionam. Apesar de que eu não sei. Não faço ideia de como as coisas vão ser esse ano. Porque então tanto sofrimento com antecedência? É janeiro e ainda estou de férias da escola. Esse ano irei para o nono ano. É, nono ano. A escola pra mim é... eu não sei como definir a escola pra mim. Eu sei que estar com 13 anos e viver tudo isso é doloroso. No mês de janeiro minha cabeça ferveu. Janeiro me fez pensar. Janeiro me fez questionar. E janeiro já está indo embora. E com ele minhas férias. Eu volto à minha rotina. E isso me apavora. O ano inteiro está pela frente. E sair da rotina com o teatro por um mês me deu espaço pra pensar em tanta coisa. Enquanto o ano passado acontecia, eu tinha na minha cabeça que era isso. Teatro. Não tinha outra saída. Em janeiro me questionei por vezes se tinha outra saída. E tem. Temos o caminho mais fácil e o mais difícil. A questão é que ir pelo caminho mais fácil é mais difícil. Ou não? Esse foi o mês de janeiro pra mim. O mês da dúvida. De muita dúvida. A ideia de que tudo está por vir de novo me dá de presente uma nova angústia. Tudo é sempre um desafio. De desafio em desafio: batalhas diárias. Escrever um artigo por mês é um desafio. E um medo. Todos os dias são desafios. E vêm novos medos. A virada de um ano para o outro pra mim nunca foi tão significativa. Pra mim sempre parece tudo a mesma coisa. E todas as viradas foram assim. Tudo na minha cabeça ia continuar igual. E isso era confortante. Até a virada de 2017 para 2018. A ideia de que 2018 pode ser tão dolorido, difícil e angustiante como 2017 me apavora. Ou pode não ser. Pode não ser metade de tudo que eu imagino. Sempre há dúvida. Pode ser. Como pode não ser. Dois dias antes de começarem as aulas do teatro meu coração acelerou. Acelerou por algo que iria acontecer daqui a dois dias. E também por algo que ia acontecer em abril. Ou em setembro. Ou até em dezembro. Por minutos meu coração disparou por 2018. E pelas suas surpresas. E pelas aulas. E pelos processos. Pelo Bagacinho. Por tudo. O medo já faz parte de mim. Ele está aqui sempre. Desde uma aula até um processo. E ele sempre estará aqui. Em janeiro tive insônia. Primeiras vezes que tive insônia. A cabeça não para. As aulas e compromissos da semana acabaram. Ufa! Tem daqui a uma semana de novo. E passa tão rápido. Já temos mais aulas e mais compromissos de novo. O mês de janeiro me parece um processo em cena sem processo. Eu deito a cabeça no travesseiro após a aula de quarta, já pensando na próxima vez. Escrever um artigo é difícil. Pra mim é muito difícil. O artigo de janeiro me parece confuso. Mas janeiro pra mim foi toda essa angústia. Janeiro tem 31 dias. 3 sílabas. 7 letras. E passou voando. E passou lentamente. Janeiro é confuso. Foi confuso. E quando vejo, janeiro já se foi! É difícil relacionar a minha idade com a minha vida. Bem difícil. Há pouco fiz 13 anos. Em outubro. Minha idade é uma das minhas grandes questões. Por vezes, parece que esqueço dos meus apenas 13 anos. Por vezes, me parece que os outros esquecem. E por vezes eu quero ter apenas 13 anos. Estou na adolescência. E é muita cobrança querer que eu tenha real certeza de que é isso e que não tem outra saída com a minha idade. Eu já acho difícil ter que decidir com 18. Imagine, com apenas 13 anos, passar pela cabeça que não há outra saída. Que é isso. E que não tem outra escolha. Peço que lembrem com carinho dos meus vagos e queridos 13 anos. Eu estou no começo da adolescência ainda! E vivo com as costas tortas porque a responsabilidade é pesada. Eu tenho medo de não querer seguir com o teatro. E tenho medo de querer seguir com o teatro. E me parece errado não querer seguir com o teatro pro resto da vida. Há uma grande dúvida dentro de mim. Se eu quero isso. Se eu quero isso nessa idade. Se eu quero viver minha adolescência no teatro. Eu quero ter outra saída. E talvez eu escolha a outra saída. E talvez não.

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Por: Ana Júlia.

Quando ficamos muito tempo fora, é normal sentir saudades. No começo de janeiro, Ana já estava com saudades de Campo Grande, faltando um mês para ir embora. Eu não via a hora de acabar as minhas férias em Apiaí. Sentia saudades do cheiro da minha casa. Dos meus livros. De Campo Grande. Dos meus amigos. Do teatro. Da mesma forma que eu sentia muita saudade do teatro, eu não queria que as coisas começassem por medo. O começo de tudo estava cada mais próximo. Em 2018 irei para o ensino médio. Período que é conhecido pela pressão dos pais sobre qual curso você vai escolher pra vida toda. Eu não faço ideia. Não sei o que esperar daqui pra frente. Vou vivendo o que for sendo. Logo no início de janeiro, quando soube da programação do ano e de todas as suas surpresas, de todos os seus processos e dificuldades, passou pela minha cabeça "irei poupar meu sofrimento e sair do teatro". Porém, sair do teatro é o caminho mais fácil e mais difícil de se tomar. Eu sei que não vivo mais sem teatro. É o que me move. Aos 14. Mas e aos 30? Será que o combustível será o mesmo? Janeiro e suas angústias. A angústia da dúvida sobre o que eu vou fazer pra vida. Tenho apenas 14 anos. Peço que se lembrem com carinho. Eu tenho dúvida. Dúvida sobre tudo que está relacionado ao teatro. Até de mim mesma. Penso que sempre me faltará coragem para deixar tudo isso pra trás. A grande questão é: eu quero deixar tudo isso pra trás? Talvez não tenha capacidade de escolher o que eu quero pra minha vida com apenas 14 anos. Eu não quero escolher com 14 anos. Eu tenho medo de querer seguir com isso. E tenho medo de não querer seguir com isso. Esse mês descobri que faria "Pelo Amor da Colombina". Faltava uma semana e eu já estava com medo. Me pergunto pra que o sofrimento com antecedência. Eu sofro por todos os 12 meses que estão pela frente. Não só pelo amanhã. Sofro por um processo que irá acontecer em dezembro. Falando em processo, meu primeiro foi no ETECA (encontro de teatro entre crianças). Eu tinha 13 anos. Escolhi falar sobre Maria e sua relação com a guerra na Síria, e como isso afeta a vida de uma criança. Os ensaios foram tensos. Eu chorava em todos eles. Os dias passavam lentamente. Hoje penso que todos somos Maria. Cada um com seu caos interno. Meu coração dispara por entrar em cena. Meu coração disparou antes de entrar em cena. E dispara por todos os desafios que tenho que enfrentar. Vivo cada dia uma aventura diferente. Uma experiência nova. Um frio na barriga novo. Me sinto desafiada e com medo cada vez que entro no Grupo Casa. E entender que tudo começa mais uma vez me traz a angústia de Janeiro. O começo de tudo começa mais uma vez. 

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Por: nós duas.

Nós percebemos que temos as mesmas angústias. Que passamos por tudo juntas. Que estamos no mesmo barco. E isso nos deu abertura pra juntarmos nosso janeiro. Nosso janeiro e nossas angústias. As nossas angústias diárias que nos permitem ser Amanda e Ana. Viva o teatro!

Com amor,
Amanda, Ana Julia e nosso mês de janeiro.


A DOR QUE SE DEVE SENTIR

fevereiro 28, 2018
Por: Roberto Lima.


“Nós tiramos tanto de nós mesmos pra nos curarmos das coisas mais rápido que corremos o risco de chegar à falência antes dos 30...” Essa foi uma frase que me seguiu intrinsecamente... Há tanto medo de sofrer, de sentir dor, que nos sabotamos na tentativa de eliminá-las, sendo que a dor deve sim ser sentida, ela é também um dos agentes que vão movimentar teu pensamento a existir e mudar tua realidade. Quanto mais fugimos da dor, menos aprendemos, vale a pena senti-la e passar por ela entendendo quais são as marcas que te causam, e quais movimentações cria dentro de ti.  As férias acabaram-se e o ano começou, tivemos nossas primeiras reuniões para definição do primeiro semestre e as novas turmas de alunos começaram a chegar... Para minha surpresa e alegria, entre os quinze, estava o Allan!

Allan é um surdo que sonha em ser ator e decidiu embarcar em busca do seu sonho. As aulas tem sido um mistério desde então. Fernando comanda os exercícios e eu os sinalizo e participo dando um norte para o Allan, e o deixo concluir só... Todas as atividades foram concluídas! Allan tem se mostrado um ótimo descobridor de si. É perceptível o prazer que ele tem de estar ali. Temos diversas questões em debate sobre qual a melhor forma de transmitir as informações necessárias e como usá-las dentro de um grupo ouvinte, sabemos que o Allan tem um gosto peculiar pelo português, o que torna tudo incrivelmente mais gostoso de trabalhar.

As aulas com o João também me preocuparam, não sabia o que ele havia preparado e como o Allan receberia, afinal, sei que nem todos os surdos são adeptos da música, mas para meu deleite, o Allan acompanhou todos os exercícios sem muito esforço e finalizou a aula tocando violino. A limitação está na nossa cabeça! Sempre há um jeito de atingir um objetivo se a vontade é excepcional! Não me preocupo mais em como será a aula, sei que dia após dia vou me surpreender com algo, e coisas novas surgirão a partir desse encontro.

Demos início também nas leituras de “A vida é sonho”, outro local de prazer e dor que está se desenvolvendo e crescendo dentro do Coletivo. Não sei ao certo o que esperar ainda, mas sei que o desafio maior será ser de fato um ATILS (Ator Tradutor Intérprete de Libras). Nesse espetáculo a verdade vai aparecer! Atuar e interpretar ao mesmo tempo, meu sonho tendo a oportunidade de existir... As leituras têm sido lindas, sei que bons frutos vão surgir nesse semestre e espero tirar o máximo possível, deixando a dor de cada dia, para cada dia...

Quero muito finalizar esse artigo com uma poesia que me faz pensar em por que ela foi criada e o que o autor sentia enquanto a escreveu...

”Ainda que eu esteja fraco, nulo, sem maneiras de me reerguer das trevas, todavia estarei salvo, se ainda atuar... Ainda que eu esteja trancado no escuro, onde os olhos não são importantes, nem existem... mesmo assim estarei salvo, se ainda puder interpretar... Ainda que eu esteja mofino, inerte, sem maneiras de me expressar, desta mesma forma estarei salvo, se ainda puder imaginar... Ainda que os sentidos me abandonem, e eu não saiba mais quem sou – ou o que sou... Todavia continuarei a salvo se puder me reinventar... Mas se querem que me desfaça, que eu morra nas areias inescrutáveis do tempo, basta apenas duvidar que a entrega verdadeira a arte milenar do teatro salva e pronto! Deixarei o nada a ninguém...” Fora daqui é a morte!


TUDO É A PRODUÇÃO DO NADA

fevereiro 28, 2018
Por: Vini Willyan.


Entrego-me. Aliás, tudo o que tenho feito é me entregar. Como amigo, filho e amante. Dois mil e dezoito chegou e eu quero me jogar.

Há meses, a lógica era outra. Quanto mais contido melhor. Engravatado, em pé. Os olhos correm observando a todos enquanto o corpo fica imóvel. Garçons equilibram bandejas e correm enquanto o relógio, por descaso, para de girar. Tudo está no lugar. O guardanapo e a forminha do bombom. Os assentos estão contados. Ninguém entra sem apresentar o convite.  Pratos e talheres são jogados nas cubas da pia para acentuar o cansaço. 

A festa acabou. Ufa!

Me livrei da busca do “eu alinhado”. Da prisão que é ter que acertar em tudo. Agora eu erro. Erro bastante e ainda levo bronca. Eu as recebo pois, para mim, vêm de amigos. Minha vida é a realização de um plano meu, mas que me deram. Que fora escrito antes de mim, mas para mim. Escrito num tempo em que eu me via perdido. Agora os encontrei, e me encontro também.

Eu amo as pessoas do meu lado. Amo até quem não conheci. Os que acabaram de sair e aqueles que entrarão. Essa é a minha tribo. Caminham antes dos meus passos e agora finalmente nivelamos nossas andanças.

Para onde vamos?
Para onde correm os versos, as luzes, os olhares?

Estou no centro do palco segurando uma bolsa cheia de notas fiscais. Há uma luz em mim. Ela salta dos meus batimentos cardíacos e sonha em mudar o mundo. 

Existir demais é cansativo, mas não há honra sem luta. Hoje eu acordei confiante, punho cerrado. Tenho os meus e vou em frente. A peleja é dolorida e, às vezes, estou cansado.

Quinze minutos de caminhada e eu chego ao consultório da Eliza, minha analista. Falamos muito nos últimos tempos sobre Sófocles, Tirésias, Édipo e Neruda. Ela também é administradora e diz frases lindas. Não sei se Lacan as deu ou foram os mil poetas que já sentaram à sua frente. Eliza deve ser poeta. Eliza devia fazer teatro. Ao menos ela entende que: “Talvez não ser, é ser quem tu sejas ­– Neruda”. 

O poeta me intriga. Esse mês foi dele, pra mim. Em mim. 

Voltamos de viagem e começamos a reorganizar os planos, as contas, a limpeza. Consertamos o meu celular e agora posso receber ligações. É nele que me comunico com possíveis parceiros. Esclareço dúvidas e fecho novos trabalhos, mas infelizmente ainda não fechei nenhum. Será que perdi o talento pra coisa?

Me sinto hiperativo e poderia passar o dia colocando o tapete no lugar. A cada pisada ele se move.  Tapetes me aproximam do caos. Estamos todos corridos arrumando e o Samuel resolve sair. Rapaz, aperte a minha mão e leve um abraço. O meu coração honestamente te deseja leveza e amor. Há em mim também o desejo de que não te falte afeto, e que de amores você transborde.

Continuemos a arrumar... Um quarto novo, uma cama, uma tv, um guarda-roupas. Escolher a posição dos móveis é uma dança maluca. Quem me acompanha? Em que braços estou? Tudo está corrido e precisamos parar.

Minha amiga está lidando com os seus fantasmas. Há dias se sente mal e agora precisa de uma pausa. Precisa de ginástica, caminhadas e uma nova alimentação. Precisa de umas gotinhas disso e outras daquilo. De menos açucares e alimentos refinados. Pra mim não tem remédio melhor que amor e carinho. Ligia é um ser precioso e escasso no planeta. Eu a espero boa. Pra ontem, pra já, pra sempre. 

Sinto falta da mamãe. De vê-la mesmo que por um minuto durante o dia. Sinto falta do café e da comida da Renata. Dos dengos da vovó e do abraço dos primos. Eu posso visitá-los, mas a questão que fagulha em mim é: “Será que eles vêm?”
O poeta e a poesia ainda me salvam. Amenizam as dores do mundo, parece que nossa solidão se acaricia. A falta que há em mim saúda a falta que há em você.

Tenho o mundo pela frente e tudo me barra. Preciso me salvar. 

A frente vejo vir Segismundo, Clotaldo, Astolfo e Estrela. Vejo vir cabos, luzes, espelhos, mesas e paredes. Estamos todos reunidos no M.E.R.D. aguardando o Fernando iniciar o encontro. Diversas intenções saem de nossas vozes enquanto lemos. Ao menos cinco vezes seremos interrompidos por alguém que acaba de chegar. O interfone nos alerta. Chegou minha vez de ler. Um grande soco me acerta na barriga e um frio sobe a goela. Eu preciso ignorá-lo e dominar o diafragma. Enquanto eu pensava no modo que tensionaria o corpo, minha energia se foi e a voz já alcançou o final da frase. Fim da primeira leitura. Antes de chegarmos na terceira, nossas impressões se tornarão discussões a respeitos da arte, do ser, da civilização.  

O encontro acabou. Houve ganhos. Estranhamente sinto que cheguei ao nada, como se um vazio das sensações do passado se instalasse. Nada se assemelha ao que sinto agora.  Eu desejo o novo e algo me faz crer que o novo só existe onde não há nada. Amanhã nos encontraremos novamente. Estou ansioso para ver o que o nada se tornou. Em breve espero que você veja também. 

Agora preciso fazer anotações, contas e algumas ligações. Ah, e pôr o tapete no lugar. Obrigado pela companhia. 


PARTIDAS E CHEGADAS

fevereiro 28, 2018
Por: Kelly Figueiredo.


Nosso mês de Janeiro começou ainda em férias. Uma parte do Grupo estava de férias no Espírito Santo e a outra espalhada entre Campo Grande, Brasília e São Paulo. Já era tempo de nos juntarmos novamente. Começou com a chegada de João, logo depois Gabriel e, por fim, Samuel. A trupe estava quase completa – ainda faltava Thaisa, que infelizmente não viria ao nosso encontro. A primeira partida do ano com a trupe reunida foi para Aracruz, onde fizemos o que mais amamos fazer: teatro. Foi a nossa primeira apresentação de 2018. Tínhamos os nossos acessórios prontos para entrar em ação, era um lugar lindo. Uma pracinha quase à beira mar e muita gente reunida. Neste dia me senti como em Portugal, onde fazia apresentações em várias cidades e lugares incríveis. Entendi mais ainda que sim, é isso que quero fazer. Teatro por aí com a casa nas costas e com a galera reunida. Mas nunca podemos nos acomodar, pois sempre há algo para melhorar, sempre temos que dizer sim e sempre entender o que não entendemos, mesmo que nos custe. Partimos de volta para “nossa casa” em Vila Velha.  Saí de Aracruz com a sensação de que a minha vida é isso – estar em cena seja onde for e como for – isso é o que me move.

Porque a gente gosta da estrada, partimos novamente, desta vez para Búzios. Chegamos cheios de vontade, de euforia, de querer conhecer. Conhecemos e nos encantamos, parecia que nunca iríamos embora dali. Mas iríamos, e então curtimos tudo o que podíamos até o dia da partida. Tínhamos que passar pelo Rio de Janeiro. Passamos e ficamos. Um dia no qual aproveitamos cada minuto na Cidade Maravilhosa. Aproveitamos até os desentendimentos. 

Partimos com destino à São Paulo. Chegamos na selva de pedra. Cidade em que de alguma forma nos sentimos acolhidos. Fizemos um belo passeio no Itaú Cultural onde nos encontramos com Mayra. Para nossa felicidade, ganhamos vários livros interessantíssimos que, com certeza, nos trarão mais conhecimento, ou a certeza dos nossos pensamentos. Tomamos estrada rumo à nossa casa, com um gostinho de que em breve voltaríamos a São Paulo.

Chegamos na nossa cidade, na nossa casa, já prontos para encarar nossa segunda apresentação do ano, agora no nosso espaço, com nosso público de sempre. Apresentamos. Foi dia de matar a saudade dos velhos e novos amigos. No dia seguinte, folga e no próximo uma reunião para os nossos passos de 2018.

Nossa reunião foi interessante, mas marcada pela partida de Samuel.  Agora já não somos mais três mosqueteiros pensando em cenário, adereço, figurino e organização das coisas. Infelizmente agora somos apenas dois. Uma partida que me deixou muito triste e abalada. A vida segue, não podemos deixar nos abalar por muito tempo, temos muito que fazer e realizar, e assim nossos dias vão acontecendo. E aconteceu a chegada de Bruna para fazer parte do elenco da nossa nova peça A vida é Sonho.  

Aprendi nestes 3 anos e nesta viagem que com raça, vontade e determinação é possível fazer muito, mesmo que os nossos recursos sejam escassos e as condições por vezes estejam longe de serem ideais. Aprendi também que nosso modus operandi é marcado pela paixão, pelo amor e pelo desejo de transformação. Tento sempre me apegar às coisas bonitas e boas que nos acontecem, pois isso, de alguma forma, é uma maneira de organizar o meu caos. Confesso que me apego muito facilmente e rapidamente a pessoas, projetos e aventuras.

Aprendi, também, que na nossa Casa existem milhões de histórias e memórias para serem contadas. Na nossa Casa existe música, poesia e muito amor por todos os que ali estão. 

Observando melhor estes anos e o tempo que estou com o Grupo, arrisco a dizer que apesar de tudo que já aconteceu, das distâncias existentes e de todos que passaram, construímos coisas bonitas, que me fazem entender cada vez mais que o mais importante é esse nosso modus operandi, e que as partidas e chegadas fazem parte.



O PESO DO MUNDO PRESSIONA AS MINHAS (as nossas) COSTELAS

fevereiro 28, 2018
Por: Febraro de Oliveira.
(sexta, dois de fevereiro em dois mil e dezoito, 14h:36min)




Esse artigo é quase uma carta. É um segredo secreto universal e intransferível. O que escrevo é apenas seu. E meu. Este é um bom ponto para começarmos.

Quando nasci, eu já não era eu. Meu corpo, minha “essência”, minha alma, meu qualquer coisa, já não era meu, era seu. Agora é mais óbvio: em um grupo de teatro, em um grupo, a angústia individual e egoísta serve para pouca coisa – ou nada. Nada. Eu luto contra isso todos os dias. 

Eu me chamo Vinícius Febraro de Oliveira. E foi aí que começou o problema. Quando eu era criança, meus pais me falaram que o nome Vinícius vinha de Vinicius de Moraes, chorei tanto neste dia que minha mãe teve que mentir. Isso já explica muita coisa, grande companheiro. 

Agora sobre esse mês que se passou:

Janeiro. Morri em Janeiro. Agora tenho que nascer, mas como se faz um parto se o mundo pressiona o útero? Este é um bom ponto para começarmos. Já preferi andar sozinho. Hoje é impossível andar, ou ser, sozinho. E digo hoje porque não vivi o passado da minha vida. Antes de existir, eu era uma célula, um átomo, um pedregulho, qualquer coisa que o universo quis manter. Tenho os meus segredos e eles me guardam a solidão, mas caio na minha ratoeira: quando o espectador vê a obra com olhos de ver, ele vê o artista nu e sem segredos? Eu sou honesto com o espectador e comigo? A solidão do artista e do espectador, quando se encontram, muda o mundo? Continuarei sem saber. Continuarei caminhando com você. Seguimos.

Tenho dezenove anos, já me casei. Estou agora em meu segundo casamento. Os dois em um grupo de teatro, os dois uma grande imersão, os dois um grande desespero, os dois um grande amor, os dois um grande oceano sem começo nem fim. Se casar em um grupo de teatro. Deve existir dor maior que a de estar casado em um grupo de teatro, deve existir solidão maior, mundo maior, medo maior, mas não conheço. Ainda. 

O que acontece quando um casamento acaba em um grupo de teatro? Pelo que notei, ele não acaba. Você continua vivendo vinte e quatro horas com essa pessoa. A convivência cotidiana continua. O amor, admiração, respeito e carinho também. Ou deveria. Quando meu primeiro casamento acabou, eu pensei que fosse morrer. Agora até tiro risada disso. A vida continua e, pelo que parece, o amor vive na porta ao lado.

A maldade sempre me assustou. Tudo vazio de nós. Foi criado um pequeno rebu. Este mês vi dois grandes amigos, amores, companheiros me maltratando, sendo malvados. Somos jovens e só sabemos nos defender e atacar. A internet nos permitiu esquecer que nos amamos.  Quando li as mensagens chorei, tive febre e dor de garganta. Mas não se preocupe grande companheiro, essa dor é eterna e nós nos salvamos. Ainda choro. O amor é uma coisa mais profunda que isso. E eu os amo.

Este mês meu primeiro marido, Samuel, foi embora do grupo. Parece que agora o casamento acabou. Parece que só assim acaba um casamento em um grupo de teatro. Tenha uma ótima vida. Adeus, amor, adeus. 

Caminho pelas garrafas, bitucas, mortes, crianças, medo, viagens e contas. Nesse caos, encontrei o amor. Me casei pela segunda vez. E parece que o grande amor estava na porta ao lado. Como me disseram antes. Embaixo do nariz de palhaço, há um coração pulsando. Que não seja imortal, posto que é chama. Mas que seja eterno enquanto dure. Que venham os orixás, os búzios, as cartas, as mãos, os tabloides, os evangelhos, os signos. Que sejamos felizes embora seja necessário sofrer. Isso é o teatro do mundo. 

Agora sobre a minha solidão com as crianças:

Voltaram as aulas de teatro para crianças. É difícil, cada vez mais difícil. Será que ainda levo jeito? O tempo dirá. Só o tempo. Surfaremos no caos. Ah, claro, quase esqueci: fiz um cronograma do primeiro semestre do ano. A luta do artista consciente que trilha um Lá que é desconhecido e, ao mesmo tempo, mutável. Damos um passo, e o Lá dá três passos. Dou um passo para chegar à criança que faz teatro, e ela dá outro. É impossível isso. Caminhamos para os monólogos autobiográficos e o porquê das guerras. Você está convidado. Temos muito trabalho pela frente.

É necessário ter saúde. Ás vezes nos esquecemos disso. Ontem, por exemplo, trabalhamos das sete da manhã até às dez da noite. Martelamos, limpamos, corremos, pagamos contas, fizemos cálculos, planilhas, dramaturgias, poesia, e fomos ao mercado. Isso é a rotina de um grupo de teatro. Aleatória, mutável e incompreensível para quem não o vive. Prometemos trabalhar menos em dois mil e dezoito. É, eu sei.

Os meus diretores, pais, amantes, amigos e companheiros Ligia e Fernando estão cansados. Prometo cuidar deles não dando mais trabalho, não sendo ingrato. A gratidão vem do amor e do carinho, não tenho nenhum talento, só amor e carinho. Parece que em janeiro o mundo pressionou nossas costelas sem medo. Me dedicarei aos outros onze meses com bastante amor e cuidado. Se cuidem, grandes amigos. 

Sobreviveremos, viveremos e amaremos até o último segundo, grande companheiro. Sigamos juntos para não nos esquecermos.


com amor e carinho,
seu,
Febraro.



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