Mostrando postagens com marcador Roberto Lima. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Roberto Lima. Mostrar todas as postagens

fevereiro 28, 2018

A DOR QUE SE DEVE SENTIR

fevereiro 28, 2018
Por: Roberto Lima.


“Nós tiramos tanto de nós mesmos pra nos curarmos das coisas mais rápido que corremos o risco de chegar à falência antes dos 30...” Essa foi uma frase que me seguiu intrinsecamente... Há tanto medo de sofrer, de sentir dor, que nos sabotamos na tentativa de eliminá-las, sendo que a dor deve sim ser sentida, ela é também um dos agentes que vão movimentar teu pensamento a existir e mudar tua realidade. Quanto mais fugimos da dor, menos aprendemos, vale a pena senti-la e passar por ela entendendo quais são as marcas que te causam, e quais movimentações cria dentro de ti.  As férias acabaram-se e o ano começou, tivemos nossas primeiras reuniões para definição do primeiro semestre e as novas turmas de alunos começaram a chegar... Para minha surpresa e alegria, entre os quinze, estava o Allan!

Allan é um surdo que sonha em ser ator e decidiu embarcar em busca do seu sonho. As aulas tem sido um mistério desde então. Fernando comanda os exercícios e eu os sinalizo e participo dando um norte para o Allan, e o deixo concluir só... Todas as atividades foram concluídas! Allan tem se mostrado um ótimo descobridor de si. É perceptível o prazer que ele tem de estar ali. Temos diversas questões em debate sobre qual a melhor forma de transmitir as informações necessárias e como usá-las dentro de um grupo ouvinte, sabemos que o Allan tem um gosto peculiar pelo português, o que torna tudo incrivelmente mais gostoso de trabalhar.

As aulas com o João também me preocuparam, não sabia o que ele havia preparado e como o Allan receberia, afinal, sei que nem todos os surdos são adeptos da música, mas para meu deleite, o Allan acompanhou todos os exercícios sem muito esforço e finalizou a aula tocando violino. A limitação está na nossa cabeça! Sempre há um jeito de atingir um objetivo se a vontade é excepcional! Não me preocupo mais em como será a aula, sei que dia após dia vou me surpreender com algo, e coisas novas surgirão a partir desse encontro.

Demos início também nas leituras de “A vida é sonho”, outro local de prazer e dor que está se desenvolvendo e crescendo dentro do Coletivo. Não sei ao certo o que esperar ainda, mas sei que o desafio maior será ser de fato um ATILS (Ator Tradutor Intérprete de Libras). Nesse espetáculo a verdade vai aparecer! Atuar e interpretar ao mesmo tempo, meu sonho tendo a oportunidade de existir... As leituras têm sido lindas, sei que bons frutos vão surgir nesse semestre e espero tirar o máximo possível, deixando a dor de cada dia, para cada dia...

Quero muito finalizar esse artigo com uma poesia que me faz pensar em por que ela foi criada e o que o autor sentia enquanto a escreveu...

”Ainda que eu esteja fraco, nulo, sem maneiras de me reerguer das trevas, todavia estarei salvo, se ainda atuar... Ainda que eu esteja trancado no escuro, onde os olhos não são importantes, nem existem... mesmo assim estarei salvo, se ainda puder interpretar... Ainda que eu esteja mofino, inerte, sem maneiras de me expressar, desta mesma forma estarei salvo, se ainda puder imaginar... Ainda que os sentidos me abandonem, e eu não saiba mais quem sou – ou o que sou... Todavia continuarei a salvo se puder me reinventar... Mas se querem que me desfaça, que eu morra nas areias inescrutáveis do tempo, basta apenas duvidar que a entrega verdadeira a arte milenar do teatro salva e pronto! Deixarei o nada a ninguém...” Fora daqui é a morte!


janeiro 04, 2018

FINALMENTE UM SURDO NA PLATEIA!

janeiro 04, 2018
Por: Roberto Lima.



O que é ser um intérprete de libras dentro do mundo cênico? É uma pergunta difícil de responder. Não sou o mesmo de tempos atrás, quando comecei a aprender essa língua. Não sou o mesmo de dois anos atrás quando entrei no teatro, menos ainda de seis meses atrás quando a escola me consumia 40 horas do meu tempo, e com certeza não sou o mesmo de dois dias atrás, quando o Coringa teve seu primeiro expectador surdo depois de dois anos de espetáculos! E a mágica está em confessar que o milagre aconteceu em nossas férias, no estado do Espírito Santo, Brejetuba, na fazenda Leogildo. Esse fato trouxe de volta questões que me consomem intrinsecamente! Voltei a debater com nossos diretores a respeito! O que é realmente a inclusão e qual a melhor forma de fazê-la? Manter o intérprete em uma lateral qualquer da cena e fazer o público surdo escolher entre peça e sinalização? Pôr o intérprete dentro de cena para acabar essa disputa? Tornar o intérprete uma personagem da história? Qual a melhor solução? Manter diálogos paralelos com o público surdo e tornar a tradução em si um segundo plano? Esquecer os demais integrantes? A complicação entre dividir sua atenção entre um público específico e reduzido dentro de um montante de outras pessoas e aos demais integrantes do coletivo, perceber a cena e sua movimentação, o desenrolar da história e sua posição diante dela. Um violão que cai e alguém precisa pegar. O violão que eu, intérprete, estava tocando em cena, agarrado às minhas costas que cai e alguém precisa pegar...  A dúvida do que é mais importante. Qual elemento prevalece? A sinalização? A música? A cena? Que elemento prevalece? O todo, o conjunto da obra deve se elevar igualmente! Entendi! Não se pode preservar mais o azul e dar menos importância ao rosa! Enfim, ter um espectador surdo na plateia, alguém que eu pudesse dirigir a fala sinalizada, fez toda uma diferença na minha cabeça. Ele, Guilherme, o espectador surdo, de 12 anos de idade, não tem consciência do quanto me fez sentir que preciso melhorar! Preciso estudar mais e entender sobre minhas limitações e paradigmas mentais! Não sou o mesmo de dois dias atrás e espero estar em constante mudança a favor dessa construção que nos dispusemos a principiar.

Há alguns dias eu decidi que queria muito ter um nome pra essa junção de ator e intérprete! Algo que pudesse me definir quando alguém me questionasse sobre qual trabalho desenvolvo... A sigla para intérprete de libras é TILS, e experimentei colocar a letra “A”, de ator, no meio dela pra ver como ficava: TAILS, TIALS, TILAS, TILSA... Nenhuma ornava, foi bem triste! Até que entendi uma coisa: todo intérprete precisa ser um pouco ator, mas nem todo ator é intérprete... Então a ordem deveria ser Ator/Intérprete, e não Intérprete/Ator, e assim a sigla veio! ATILS ou A-TILS (Ator Tradutor Intérprete de Libras). Termino o ano com um pouco mais de identidade e entendimento sobre a causa que me causa. Entendendo ainda que o inicio está acontecendo, finalmente um surdo na plateia! Vamos continuar insistindo na acessibilidade. E buscar as saídas possíveis para que ela seja verdadeira. 

dezembro 01, 2017

O PODER DA COMUNICAÇÃO

dezembro 01, 2017
Por: Roberto Lima.


Quem sou eu neste mundo e como interfiro na vida dos que me cercam? A dúvida foi o incentivo gerador da impulsão: duvida e medo não são sinônimos! Me formei na área de logística, sou inicialmente um tecnólogo, trabalhei com lead time e caminhos críticos, tomadas de decisões, cumprir metas e atingir expectativas. Dentro da faculdade tive acesso à Língua Brasileira de Sinais (Libras) e iniciei um curso básico, que após algum tempo, se tornou uma prioridade em minha vida. 

A partir de então, passei a estudar com mais profundidade!  Não era apenas um idioma, era um modo de viver, era mais do que vocabulário, era comunicação plena! Coisas que eu não ousava dizer, eu podia sinalizar! Era uma forma de gritar ao mundo coisas pelas quais a voz não era forte! Essa língua me salvou diversas vezes... Procurei especialização na área, e fui para um curso de Pós-Graduação da Uníntese, na condição de receber o título de Capacitação em Libras, quando o período de banca se aproximou, senti que não estava preparado e decidi procurar aula de expressão corporal numa tentativa de desinibir, encontrei o Grupo Casa – Coletivo de Artistas que rapidamente me mostrou uma terceira realidade. Mergulhei sem hesitar! Logística não estava mais na minha identidade! Fui me achando aos poucos dentro de uma nova perspectiva.

Cheguei no Grupo Casa por causa da língua de sinais. Precisei fazer meu corpo falar para acompanhar as melodias que minhas mãos compunham e logo entendi que o ator e o intérprete caminham no mesmo lado da moeda: eles têm o poder da comunicação! O ator, em suas palavras percorre os sentidos visual-espacial-auditivo e o interprete percorre os sentidos visual-espacial-sinalizado, são mensageiros de uma mesma vertente de guerra. Entendi que havia achado meu lugar, eu era intérprete, mas descobri ser também ator! Era uma necessidade que brotou sem ser desejada, era maior que eu, e a tento conquistar a cada dia. A arte sempre vai carecer de defesa, e a melhor e mais potente arma é a salvação alcançada com a palavra. 

A comunicação é a forma mais eficaz que o ser humano tem de manter-se desperto. É a partir dela que entendemos e transformamos nossa realidade. O mundo sem comunicação é um mundo sem coletividade, sem alegria e sem amor. Dentro do teatro, uma real inclusão para surdos ainda é um desafio, para estes, peças teatrais, e quaisquer outras manifestações artísticas não despertam o interesse, pois já está enraizado o sentimento de que não haverá uma comunicação adequada, e quando há, se dará de forma precária ou sem preparo especializado. Há dois anos sinalizo peças infantis no shopping Bosque dos Ipês, e neste período não tivemos em nossa plateia um público surdo. As apresentações possuem entrada franca e mesmo assim, não conseguimos ter um surdo presente. Isso me destrói por dentro!

Nos últimos dois anos sinalizo e atuo pelo Grupo Casa, consegui administrar as funções e fundi-las, tarefa complexa, mas não impossível. Agora, nossa maior luta está sendo em fazer com que esse personagem intérprete ganhe mais espaço e movimento dentro de cena, e sei que demandará uma completa entrega ao mundo da pesquisa e da experimentação. Trazer o público surdo para dentro do simulacro que as vezes é a própria vida, um espelho do fictício e do real, ainda é desafiador, mas a semente está lançada, basta continuar a regar para colher os frutos. 

SEGUIDORES