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janeiro 19, 2018

NO TEATRO, A MÚSICA É RELAÇÃO.

janeiro 19, 2018
Por João Celos.


Enquanto músico e integrante de um grupo que faz arte, perco tempo tentando enxergar onde a música se faz presente e necessária. Quais os caminhos escolho em relação ao nosso desenvolvimento musical, e, principalmente, o que da música que eu conheço é completamente abandonável nesse movimento, e o que precisa ser completamente ressignificado. 

Há algum tempo dou aulas ocasionalmente no curso de iniciação teatral do Casa, tarefa um tanto assustadora para mim, mas que depois de um tempo foi se tornando uma ótima brecha para executar algumas coisas que eu estudava, sentia ou aventava sobre música e teatro. A aula foi e ainda é um primeiro laboratório de análise de reações e resultados imediatos dessas atividades. 

Uma das compreensões do teatro é que ele é feito de relações. Seja da relação entre os discursos presentes, entre o artista e a plateia, entre os atores no jogo de cena, entre o corpo e o espaço-tempo, tudo é existente mediante algum encontro. A partir disso, uma das minhas primeiras intenções foi de alguma forma chegar à compreensão da música como oriunda de uma relação, de um encontro. Diferente daquilo que eu tinha vivido em relação à minha formação musical, essencialmente individual, mas de acordo com aquilo que já se estuda sobre a musicalidade na cena, as atividades nas aulas de música no teatro são feitas em grupo ou em duplas, buscando essencialmente um “start” musical que surja na relação entre os participantes, e não unicamente na descoberta ou desenvolvimento das habilidades individuais. As atividades propunham o desenvolvimento de ritmos em dupla, experimentando as sonoridades do outro corpo enquanto instrumento, de seus corpos em relação, do estabelecimento de um tempo em comum através do olhar e do contato físico, no qual os dois integrantes pulsem para estabelecer um ritmo guiado a partir daí. 

Um esforço que percebo necessário nessas práticas é se atentar ao desenvolvimento da capacidade dos participantes de identificar, reproduzir e se manter em um pulso, em um tempo constante, o que é notável em um exercício de passar palmas numa roda em um andamento determinado ou até mesmo no caminhar pelo espaço. Iniciar qualquer atividade propondo um andamento regente é uma prática que tenho seguido quase sempre, tanto no alongamento corporal ou vocal quanto em alguns exercícios mais complexos. Penso que inserir essa primeira estrutura musical em outras atividades não explicitamente musicais possa despertar uma noção que ultrapasse o âmbito da música formal e que contribua para a percepção desses elementos como constituintes da cena e da ação teatral. Além disso, a manutenção de um ritmo coletivo nos liga às habilidades de sintonizar-se a algo, de agirmos cenicamente em equilíbrio, sincronia. 

Um fenômeno que percebo constantemente nas aulas, é que exercícios de manutenção de um andamento regente por mais que possam ser repetitivos, nos afinam para próximas práticas musicais mais complexas. Iniciar algum trabalho musical com essas atividades é como alongar os músculos, os ouvidos, torna-los mais ágeis e atentos.  É visível ao longo de uma aula o “acordar” de um senso musical nos participantes, o que ocasiona as vezes até em algumas produções interessantes no fim dos trabalhos. 

Voltando às atividades em dupla, vejo como um início importante a tentativa de ampliar o entendimento de tempo, andamento e ritmo, e identifica-los não enquanto fenômenos exclusivamente ligados ao som, mas a qualquer presença no tempo e no espaço. Identificar a música como alturas, corpos, movimentos, visualidades, nos leva a experimentações possivelmente mais amplas. Estabelecer um ritmo em uma dupla pode não estar ligado à emissão de algum som, mas aos movimentos plásticos dos corpos, o que não tira o caráter musical do fazer. Descobrir que os corpos emitem sons e silêncios de infinitas formas, e que esse som é indissociável da imagem que produz e de sua presença no espaço é muito útil ao teatro. 

Nessas atividades em dupla, propunha-se muitas vezes que eles criassem músicas expressas através de sons e imagens. Percebo constantemente que a atividade de conferir visualidade aos sons é capaz de nos aproximar de conceitos musicais importantes, como as questões das alturas das notas, suas frequências e os movimentos de uma melodia. Permitir aos participantes chegarem através de seus próprios caminhos às concepções de que os sons agudos facilmente se relacionam com uma noção de alteza, de leveza, e que os graves são mais representáveis pelo peso, mais ligados ao chão, é experimentar a lógica das concepções musicais, atestar sua conexão com a realidade, e, portanto, permitir uma absorção dessas concepções de forma mais concreta. Além disso, creio que pedir para que pessoas com diferentes experiências musicais criem músicas, ao invés de tentarem simplesmente reproduzir algo imposto, as faça mobilizar suas diferentes habilidades e compartilha-las necessariamente com o outro, e de alguma forma, as inserir na urgência do teatro, na urgência da criação.

É claro que todas essas ações são apenas introdutórias de uma fazer musical no teatro, assim como minhas próprias experiências até agora apenas me introduzem tanto ao teatro quanto à música. Como tornar essas práticas de fato potentes para a construção de resultados mais complexos me é um mistério urgente para este próximo ano, que começa com a responsabilidade de desvelar caminhos que nos levem à música do nosso próximo espetáculo, A Vida É Sonho, e de continuar tentando crescer coletivamente.   


dezembro 02, 2017

A MÚSICA NA URGÊNCIA DO TEATRO, NA URGÊNCIA DA EXISTÊNCIA

dezembro 02, 2017
Por: João Celos.


É preciso escrever, difícil iniciar, mas sem início não há meio então melhor que inicie. Vivo em um grupo de teatro. Em que todos gostam de escrever, se inclinam a poesia, e eu sou músico. Exato, arrogante, grosso, inevitavelmente adepto da verdade. Gosto das provas que a música me dá de que existe antes de nós. Me apaixono por isso. Me apaixono em perceber que se uma nota é produzida no ambiente, seus harmônicos, seus intervalos de quintas e terças, irão soar no espaço, e a partir dessa atração inevitável e física fazemos as consonâncias e dissonâncias. Me apaixono pela concepção de que as alturas sonoras são marcações no tempo que ultrapassam nossa percepção de tempo, e a partir daí se agudam até se tornarem ultrassons, até se tornarem luz, matéria, até se tornarem nós. Me apaixono pelo entendimento de que somos feitos de música – união de sons e ruídos – um fenômeno mais do que artístico, constitutivo da existência. E por isso me apaixona também a existência, também o teatro. Coexistir na música e no teatro tem sido minha peleja dos últimos dois anos, minha confusão e amor.

Com isso, o grupo de teatro. Vivo em um grupo. Trabalho, estudo, como, choro e me divirto com o grupo, e preservo minha solidão quando posso. Estamos constantemente atravessados pelas crenças, mentiras, dores e manias uns dos outros, e em meio a tudo, o teatro, que é o motivo e a certeza. Antes de mais, tenho 20 anos, me chamo João, estudo piano desde criança, participei de coral, estudo canto, toco violão também, acordeão, e preciso conduzir a construção da música dos espetáculos e a formação musical de um grupo de teatro. Digo preciso porque recebi a função sem ter noção alguma do que deveria ser feito previamente, sem ter a mínima certeza se daria conta, e quanto mais a necessidade aumenta, maior essa dúvida.

Entrei no grupo pela necessidade, a vida num grupo de teatro não era sonho, apareceu como pura oportunidade concreta e sem fantasia de viver a fantasia de se viver de arte. Fui posto como preparador musical, não havia tempo, eu era o único músico possível, e meu primeiro trabalho era afinar o grupo para cantar as músicas que entrariam na dramaturgia de uma saga de espetáculos, As Aventuras de Bagacinho, que iniciavam em novembro de 2015 no shopping Bosque dos Ipês. A partir daí um espetáculo diferente da saga a cada semana, meia dúzia de músicas novas a cada semana. Eu também entraria em cena, tocando as harmonias das músicas, cantando, e seria palhaço. Fui posto em cena pela necessidade, e virei palhaço pela necessidade. Não pela necessidade de sustento ou qualquer outra, mas por talvez perceber inconscientemente que esse era o único possível caminho de entender a arte como é, na sua urgência, na sua inevitabilidade. Mas a música que eu trazia como experiência e estudo não era suficiente à cena, as vezes oposta ao que era pedido. Eu traía à minha antiga e certa música a cada momento que tocava e cantava para o teatro, e aquilo me doía como o remorso de um pecado cometido. Todos os métodos sagrados e necessários à composição de uma música válida anteriormente eram ignorados e passados para trás, me pediam para desrespeitar a música, abusar do ouvido, criar efeitos não calculados e improvisos cegos, pular etapas, ignorar os pequenos detalhes e optar pela rapidez. O teatro profanava constantemente a música.

Minha experiência com coral orientou meus primeiros trabalhos vocais com o grupo. Mas não havia tempo. Ninguém estava ali para cantar, e sim para fazer teatro. Ainda assim, a música nunca tinha sido tão imprescindível. Percebi que a técnica existiria nos meandros, na medida do cabível, e deixei ao orgânico da prática constante nossa formação musical, mais por cansaço do que por escolha própria. Depois de dois anos percebo o avanço expressivo de todos nós, ainda que com todas as nossas presentes limitações, e com isso acredito um pouco mais na prática.

Nesse tempo de trabalho diário com teatro e música no teatro, digo que as questões frente à potência dessa união me são hoje tão grandes quanto a paixão pelas duas artes. Não em relação a simples presença tradicional de uma em outra, mas a coexistência de métodos e fins, que se sobrepõem, muitas vezes se contrapõem e parecem em alguns momentos até antagônicos. Existe em mim muitas dúvidas sobre o que é simplesmente sacralizado em música, e o que é música em si. Até que ponto posso romper a música, e ainda assim continuar acreditando em sua potência. No teatro coexistem diferentes discursos, que se juntam em harmonias e se afinam em diferentes dimensões. Não há protagonismo de vozes que não a própria teatralidade – aquilo que existe entre as linguagens. Como músico desenvolvo e me preocupo especialmente com essa voz do teatro, mas como é possível ter enfoque em uma linha melódica dentro do arranjo complexo que é teatro, como entender onde se inicia a criação de um discurso musical que será consequência e causa de todos os outros fenômenos teatrais, e, portanto, necessariamente incompleto em si?

Minhas experiências me conduzem hoje principalmente a evitar os preestabelecimentos, a buscar notar o diálogo dos discursos no fazer teatral e que impulsos e vibrações tiram do silêncio a música inevitável à cena. Estar sensível e aberto o suficiente para que o som surja dialogicamente na polifonia do acontecimento é o que me parece o certo.

Os desejos e vontades surgem a partir da necessidade. Me tornei músico da cena por necessidade e tive de tentar entender muitas coisas enquanto os fenômenos aconteciam na minha frente. Me apaixonei por essas necessidades, e agora elas nos impulsionam a um novo processo – a montagem da peça A Vida É Sonho – processo no qual as questões já surgem aos montes, e no qual as possibilidades de criação são latentes e ardentes. E que venham as necessidades!





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