janeiro 04, 2018

UM DIA DEPOIS DA CHEGADA.

Por: Vini Willyan.


De livros e jantares:

Todos os dias entra e sai, mais sai do que entra. Como isso é possível? Ainda não sei. Passeamos pelo quase caos da preocupação, até que por mágica (alguns chamariam de trabalho duro) os cifrões chegam. Na tabela de contas começamos a ler PAGO, PAGO, PAGO. A mim isso é tão bom quanto ler TRANSAÇÃO APROVADA.

Somos Dez. Dez que comem, bebem, vestem e tomam remédios. Dez que moram, tomam banho e usam ventilador. Dez e três cachorros. Dez, três cachorros, 100 alunos e as visitas. 

Após minha chegada conheci vários restaurantes. Não há regras ou preços para comer, exceto quando não temos como pagar. A mesma facilidade se estende aos livros. Não poupamos um vintém sequer. Livro e comida estão no mesmo patamar de importância. 

Ligia acompanha as entradas e saídas, enquanto eu anoto. Isso nos custa tempo e extrema atenção. Poderíamos passar dias inteiros anotando, cobrando, lançando, calculando, etc. Fato é que não temos esse tempo. Precisamos ler, decorar, treinar o corpo, a voz, a oratória, nos relacionarmos uns com os outros, ouvir, falar, respirar e dormir. 

Ah dormir! Como é bom e como desejo. No momento em que escrevo isso então... Se recebêssemos por hora trabalhada certamente seriamos milionários. Mais novo eu tinha medo de passar a maior parte da minha vida dormindo como a maioria das pessoas, um mês no Grupo Casa e isso não será mais possível.

Ficar acordado não é só uma necessidade, mas uma vontade. Vontade de terminar logo, de escrever só mais um pouquinho, de fazer a última anotação ou mandar a última mensagem. O arrependimento desse sacrifício vem com trilha sonora, todas as manhãs, junto ao despertador. 

Dó-ré-mi-nós:

O ritmo vivaz se estende a todas as outras questões. Questões políticas e filosóficas, comportamentais e afetivas. Tudo é levado a sério e com importância, até o desimportante. 

Às vezes sinto que estamos em níveis desiguais dentro desse ritmo. Todos os dias temos que nos perceber e perceber o outro. Se animar e animar o outro. Igualar nossas importâncias, nosso comprometimento e nossa visão. Há vezes em que isso dói, em que machucamos o outro e somos machucados pelo mesmo. Sempre é outro. Nossa morada é uns nos outros.

Por sermos casas uns dos outros, precisamos redobrar nossos esforços para nos dar forma. Para escolher a mobília, as palavras, a textura. Alguns comportam mais humor, outros menos. Uns choram mais, outros dão mais risos. 

A soma desses acordes nos faz música, nos põe em posição diferentes, nos cria necessidade de combinação, de harmonia. 

O mês de dezembro foi de afinação. Não demora muito a desafinarmos, entretanto, nossos ouvidos rápidos para reconhecer estranhezas não nos permitirá permanecer assim por muito tempo. E, além disso, ainda temos o João.

Me passa hoje pelos ouvidos alguns sons. Sons de Thaisa, de Febraro.  Há um tiquinho de mim neles e um tiquinho deles em mim. Se fossemos traduzidos em canção, passearíamos por todos os gêneros já catalogados e inventaríamos novos. E, com toda certeza, o Fernando seria o refrão. Seria cheio e grudaria em nossas cabeças.

Jogue suas tranças, Rapunzel: 

E no alto da torre, após os números, a música e o outro, vive o autor desta fala.

Estou tentando fugir da metáfora e não consigo. Essa é apenas uma das minhas limitações. Não costumo falar sobre elas, exceto quando fico de banda alimentando silêncios no aguardo de ouvir um: “E aí, está tudo bem?”. E basta essa frase para que eu fique. Meu sofrimento é inteligente e só me procura quando estou a sós. Perto do carinho e da companhia, ele se oculta. 

Estamos agora em Brejetuba, no Espírito Santo. Viemos de Kombi. Nem todos os atores estão aqui e temos duas sessões para apresentar. Irei substituir o Gabriel que faz o pai da Rapunzel. Inicialmente substituiria o João, fazendo a vela de A Bela e Fera mas, durante a viagem até chegarmos aqui, mudamos de ideia. Aliás, mudanças de ideias são constantes e comuns. Isso me assusta um pouco, não me sinto confiante para enfrentar imprevistos quando falamos de cena. Falta de confiança é, por exemplo, mais uma de minhas limitações. 

Embora esses conflitos sejam reais, ao mesmo tempo me ronda uma sensação de potência, de capacidade. Perco muito dessa energia quando preciso me haver com minha voz e corpo frente aos outros, ao perceber falhas entre a forma que imaginei e a forma sendo executada. Mas em seguida minha energia é restaurada pelo meu desejo de conseguir, de ser bom e fazer bem feito.

Meses atrás, quando substituí o Roberto fazendo o Curupira e o Caboclo do Mato em "O Trem do Pantanal", dediquei muitas horas treinando o registro da voz, o corpo e a forma das palavras. Hoje prestes de fazer mais uma participação no Bagacinho, sinto-me menos dedicado, ao mesmo tempo que me sinto mais entrosado com a lógica do teatro. É contraditório. É o Teatro. Talvez por isto me dê folga e entenda que meu comprometimento é o mesmo. 

Quando falo de mim, não posso garantir que minhas observações equivalem à verdade. O perigo de se descrever é construir uma pessoa que você não é, mas a que pensa ser. E disso eu costumo fugir.

Mas a novidade boa é que fui batizado como palhaço. O palhaço Espaguete. Viva o Espaguete. Não vejo hora de falar mais sobre ele, espero que seja em breve. 

Estou ansioso por esse ano que entra. Ansioso pela vida, pelo futuro, por viver. Meu desejo é que nos tornemos cada vez mais potentes, ágeis e resistentes. Que enfrentemos o mundo com amor, e que vençamos.

Meu desejo é que avancemos e que você, leitor, venha conosco. 


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