dezembro 02, 2017

LIDERANÇA SEM HIERARQUIA

Por: Fernando Lopes Lima.



Tenho vivido nos últimos quatro anos uma experiência incrível: a construção de um grupo de teatro. Sou testemunha, junto com meus companheiros, do nascimento de um coletivo de artistas. O Grupo Casa tem apenas quatro anos, é apenas um embrião daquilo que prevemos, daquilo que pode vir a ser. Eu e Ligia Prieto somos os pilares de sustentação deste projeto, como professores, diretores, produtores, dramaturgos e atores. Desde o princípio, baseados nas nossas experiências e referências, traçamos o plano de etapas que o coletivo teria de enfrentar. Seguimos instintos, intuições e aprendemos rapidamente, por necessidade, a lidar com o “caos”. É preciso entender esse sistema sem estabilidade, esse dinamismo, que se altera no tempo, em ato, para criar um grupo de teatro. 

Quando nós aportamos em Campo Grande (MS) nosso primeiro grande desafio era encontrar os atores, os artistas que comporiam nosso elenco de trabalhadores. Aceitaríamos todo mundo que não fosse qualquer um, era nosso combinado. Precisávamos de gente que aceitaria o desafio de viver para o teatro, pelo teatro, com o teatro. Nós somos sacerdotes, acreditamos na missão teatro, não podemos trabalhar com quem não acredita dessa forma. Vejam, caros leitores, nosso desafio é ainda enorme, cada vez maior. Para alcançar nosso primeiro objetivo criamos uma escola de teatro. A primeira turma já veio cheia de surpresas, muitos jovens apaixonados pelo que eles entendiam de teatro. Era um começo, um ponto de partida. 

(Quereriam eles de fato serem artistas? O que é ser um artista?)

Explicação necessária: Campo Grande não tem uma tradição de teatro, são raras as temporadas, portanto, a referência principal das pessoas que procuram um curso de teatro é a televisão. É um começo, um ponto de partida.  

Esses jovens, cheios de sonhos e desejos frívolos, quiseram nos escutar, alguns mais que os outros e de cada turma nós cooptamos, atraímos, agregamos os que julgávamos capazes de viver e trabalhar juntos. Hoje, 2017, somos doze artistas que estudam, pesquisam, experimentam teatro todos os dias e que têm responsabilidades especificas dentro do coletivo. Pela escola já passaram uma média de quinhentos alunos, pelo grupo muitos outros artistas, não sabemos quem entrará ou sairá amanhã, há uma seleção natural, quem não aguenta o trabalho passa mal. Passar bem. A gente não tem tempo nem para dar tchau. São muitas horas de trabalho por dia, muitos espetáculos por mês, pouco dinheiro... ...Grupo Casa não para... É um grupo em formação, não temos tempo para não trabalhar. O tempo perguntou ao tempo e o tempo nem respondeu por falta de tempo. Esse nosso “caos” é a nossa celeuma. E nosso grito tem sido ouvido em todo o Brasil. 

Minha função é pegar no manche do navio e dizer: Vamos pra lá! Mesmo sabendo que não há lá lá. E que venham as transformações. Processo, já que não tem mar, vamos ensaiar! Dirigir um grupo de teatro é ter a oportunidade de não ter que provar nada pra ninguém ao mesmo tempo que nos colocamos à prova o tempo todo. A gente experimenta, saboreia, digere e merda pra você. É a busca pela felicidade.

Nós temos a pretensão de criar o maior grupo de teatro do planeta, esse é nosso sonho adolescente. Dependemos de todos e não apenas de um, essa é nossa determinação. Temos que cuidar uns dos outros, esse é sem dúvida outro grande desafio. Um grupo é feito de muitos indivíduos, cada qual com seu desenvolvimento, entendimento, esclarecimento... Todos os dias precisamos estabelecer novos acordos, novas éticas, para proteger e fortalecer o indivíduo e enfraquecer as individualidades. Eis um ponto importante na relação de grupo, o processo colaborativo. Não há entre nós, artistas criadores da cena, uma relação hierarquizada. Somos partes importantes de um todo, de uma roda, a roda da criação. Tomo parte logo existo, essa é nossa filosofia. Cada artista é responsável por uma parte, as instâncias se sobrepõe no que se refere ao caminho de uma determinada criação. Tudo é “diálogo”. 

O teatro é, por essência, colaborativo, essa é nossa verdade. Mas como liderar um conjunto de artistas ainda muito jovens e com pouca referência nesse caminho da colaboração? Essa tem sido nossa grande questão. Primeiro a gente precisava pôr todo mundo pra trabalhar: leituras dramatizadas, espetáculos, festivais, montras, processos, estudos etc... Fazíamos de tudo pra que ninguém ficasse parado e que a cidade pudesse receber um pouco da nossa paixão. Essa fase não vai acabar nunca, mas nesse primeiro momento tinha uma função de peneira e também de estimulo. “Desculpem o transtorno, estamos em construção”, diz a frase impressa em um quadro de metal resistente na parede. Um fator importante é que eu e a Ligia desejamos estar em cena, não somos apenas diretores, antes de mais nada somos atores com boas experiências e isso nos aproximou mais dos artistas, dividimos conhecimento na prática. A troca é imediata. Queremos o melhor do outro, essa é nossa potência. Outro caminho adotado foi o de tornar os atores empresários, somos todos sócios produtores do Teatro Casa Ltda. Isso é, em si, uma grande responsabilidade. E a formação continua. É muito importante ver teatro, ler teatro, comer teatro para se fazer teatro. Temos uma sede, esse é nosso privilégio. Nestes poucos anos a gente se tornou mestres em buscar referências, não só indo a outros estados para ver teatro, como também trazendo artistas renomados para nos fortalecer. Não há milagre! É trabalho e trabalho duro. O trabalho continua e hoje estamos mais perto de alguns objetivos, temos atores mais experientes em condição de enfrentar novos desafios, e que venham eles!

Esse tem sido nosso desafio, a criação de um grupo de teatro. Apesar de eu exercer uma função de liderança, isso não quer dizer que os outros também não tenham que exercer liderança em suas funções. Somos todos condutores da nossa própria trajetória. Somos todos encarregados por nosso grupo. Somos todos responsáveis por nós e pelos outros. Temos todos um objetivo em comum: a criação do espetáculo. 

A “Criação” será o tema do meu próximo artigo para este blog.

Beijo grande em todos e sejam felizes.


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