dezembro 02, 2017

A MINHA MESMA SOLIDÃO

Por: Febraro de Oliveira.



O exercício desta escrita me impulsiona. Muito prazer! Sou professor de teatro para crianças. Tenho apenas dezenove anos e nada nas mãos. Isso não é um artigo com regras e métodos, mas com uma liberdade clandestina. Essa é a minha liberdade. Escrevo sobre o que não achei nos livros, coisas que nunca li e, por isso, busco, em minhas experimentações com a criança que faz teatro, uma lucidez daquilo que penso, da loucura que se transforma em palpável, que se comunica com um espectador.

Quando cheguei no Grupo Casa, como um aluno da turma de Iniciação Teatral, já havia escrito mais de seiscentas páginas de poesias, contos ou crônicas. A minha loucura e as minhas pesquisas sobre a solidão, a minha e a sua, começam quando eu tinha doze anos, quando comecei a sentir uma angústia, um troço no peito; e para não endoidar, eu escrevia. Em dois anos, já havia escrito um milhão de livros, falando sobre nós. Chega um momento em que escrever também não basta, fui fazer teatro. Conheci o Grupo Casa.

Antes de contar sobre as minhas experiências, te faço uma pequena introdução para nos aventurarmos melhor, grande companheiro. Nunca concluí meu ensino médio. Na minha escola tem um grande trabalho de pesquisa que você tem que apresentar. Esse trabalho vale 50% da sua nota em todas as matérias, ou seja, ele te garante se você passa ou não de ano. No meu primeiro ano, fiz um trabalho sobre a influência das cores em nossas vidas, com esse eu passei. No meu segundo ano, fiz um trabalho sobre Chaplin: eu fazia uma peça de teatro em que todos os “Chaplin’s” se encontravam com seus amores. Tosco, mas interessante. No terceiro ano que começou a tragédia: a importância de escutar histórias, o amor, a escola que não pensa na escola, e por aí vai, todos trabalhos negados. Com isso, desisti da escola. 

Em que momento da história deixamos de nos comunicar, de amar o outro, ouvir e somar? Essas questões sempre me acompanharam e, talvez, me acompanhe para sempre. Por isso, depois de algum tempo de quando comecei a fazer teatro, comecei a acompanhar a turma das crianças e, como um espectador, anotava tudo, passo a passo. Dessa forma, conseguia deixar palpável a minha loucura e a loucura do mundo.

Mas como se começa a fazer teatro? Quais são os impulsos? Aqui eu esbarro na minha pesquisa. Essa pesquisa é para outro dia, mas vou contar um pouco sobre. Antes de nascer o desejo de se fazer teatro, existe uma falta. Que pode se partir de qualquer lugar, até mesmo de uma falta que não seja da própria criança. Uma falta inventada deixaria de ser uma falta? Talvez possamos concluir, de forma rasa e frívola, que, antes da criança começar a fazer teatro ou desejar ser artista, exista a vaidade por si só. Talvez, mas o mais interessante, sem dúvida, seja a caminhada e a longa jornada que nos impulsiona e que vivemos. O objetivo final e o ponto de partida já não nos interessam tanto. 

Quando a criança começa a fazer teatro, é necessário que ela entenda que, mesmo com sete anos de idade, no corpo dela existem todos os afetos do mundo, inclusive aqueles que ela não sabe o nome. O meu papel de cientista, junto à ciência de encontro dela, talvez dê um caminho, muitas vezes sem destino, que faça ela acender partes do seu corpo em busca da consciência. A solidão de se fazer teatro existe não apenas no segundo da incompletude, mas quando o sujeito se olha e enxerga seus limites, suas dores, códigos, linguagens, quando não é necessário inventar, mas descobrir o que já está ali, pronto. É óbvio que essa “descoberta” não é uma finalização ou um objetivo, até porque ela nem existe, isso tudo é um longo caminho que só acaba quando morremos. A tragédia do ator. Lógico que não aponto e não concluo que toda pessoa que faz teatro vive na solidão, ou que os fazedores de arte sejam condenados a serem sozinhos, porque não é real, mas uma pesquisa. Existe teatro além da solidão?

Para esse acesso, do corpo-descoberta, é necessário muito esforço para o mínimo resultado, quando se há um resultado. Trabalho com uma média de quarenta crianças. Já fizemos, em meus dois anos de aventura, uma média de trinta apresentações para uma plateia. Um relato interessante em uma dessas experimentações foi quando uma criança apresentaria um monólogo sobre a sua vida, mas ao entrar em cena, essa mesma criança não conseguia dizer um níquel de palavra, só chorava e chorava. Quando conseguia falar, dizia que ninguém a escutava e vivia em completa solidão. O que um professor de teatro, com dezenove anos, tão solitário quanto ela e qualquer pessoa do mundo, que tem de desenvolver uma grande maturidade, um afeto e uma rigidez... o que esse professor faz? Essa grande angústia, junto à nossa solidão, me faz ter de viver e inventar caminhos. A dor dela de ser barrada pela família, pela igreja, pela escola e pelo mundo era a minha mesma dor, e só restava para nós a arte para apontar e fortalecer um caminho, mesmo sem destino. Essa mesma criança que se colocou em cena para contar a sua história caminha para a construção de um adulto mais consciente. O que nos dá esperança para algo. 

A solidão da criança que faz teatro é a mesma que a minha, e a partir do encontro das nossas solidões, nos tornamos mais fortes. Esse é o nosso fardo: o tornar real nossa própria imaginação, que nos leva a uma construção mais consciente. A busca pelo ator consciente independe de sua idade.

Se a solidão da criança que faz teatro é a minha mesma solidão, e se caminhamos juntos, isso quer dizer que a nossa maior angústia é que quando tivermos oitenta anos acessaremos algo em nosso corpo que sempre existiu, e lá iremos concluir: que burrice todos os anos anteriores. Essa calma angustiante que devemos ter nos fornece a exatidão do encontro do teatro consigo mesmo. Cada um no seu tempo, sem ter tempo para temer. 

Vivo em um Grupo de Teatro, é doloroso, mas é o único jeito. A solidão de um grupo de teatro nos acompanha para sempre. Quando entrei aqui, consegui notar e olhar a poesia que existe além das palavras, que me foge, que acontece no encontro dos olhares, corpos, brigas, carinho, ternura, respeito e ouvido. Essa poesia, que antes era de palavra e hoje acontece na exatidão da falta, do sujeito e do encontro, me mostra que eu sou você. Esse texto, por exemplo, é um encontro, um grande encontro, companheiro. Esse encontro, movido por tantas coisas do mundo, é só uma desculpa para falar do que acredito que realmente importa. E assim vamos, caminhando a passos curtos, para um mundo mais humano. 

Com amor e carinho,

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