janeiro 18, 2018

COMO PODE UM PEIXE VIVO VIVER FORA D’ÁGUA FRIA

Por: Febraro de Oliveira.


28 de Dezembro em 2017.

Prazer, meu nome é Febraro. Tenho dezenove anos e nada nas mãos. No meu artigo passado “A MINHA MESMA SOLIDÃO”, embarcamos juntos em uma pequena caminhada sobre a solidão de quem faz teatro. Da criança que faz teatro e do professor. Do mundo e nós. De você que me lê e eu. Caminhamos juntos sem medo. Essa é uma pequena recapitulação, para lembrarmos quem somos. 

Cada turma de teatro que ministro tem um caminho e uma jornada diferente. Todos eles caminham e se encontram e se perdem, mas não deixam de fazer teatro. Quero te contar um pouco melhor quais são os passos das aulas. Existiram, nesse ano, quatro turmas fixas de teatro para criança. Tivemos no meio do ano o 2º ETECA, onde as crianças faziam tudo, desde o cenário até a dramaturgia. Trabalhamos com o ator-criador, que forma pensamento, que faz arte. Foram, ao todo, mais de trinta apresentações só nesse ano. Desde monólogos até a peça com todos em cena.

Eu havia lhe contado no mês passado que estávamos caminhando para uma apresentação das crianças, a última do ano, chamada “A GRAÇA DO ATOR”. Nove crianças em um jogo de cena, se enfrentando, enfrentando o mundo, produzindo pensamento, entendendo o limite do outro, etc. Essa apresentação foi da turma mais velha das crianças, de oito até doze anos. 

O processo de todas as montagens são coletivas, surgem depois de descobertas do coletivo. Não inventamos, descobrimos o que está embaixo dos nossos narizes. Essa é a nossa pesquisa. 

Cada turma tem seu caminho. Uma turma, por exemplo, está começando um processo sobre o porquê de ainda existir guerras no mundo. Isso começou quando uma criança dessa turma, chegou em uma das aulas com a descoberta de ainda haver guerras no mundo. Começamos a conversar sobre o porquê das guerras. Não foi uma imposição, elas estavam indignadas e a indignação delas moviam o pensamento. Em que momento da história eu deixei de me chocar com as guerras? O mundo existe sem nós, sei disso, lutamos por aquilo que acreditamos que realmente importa, mesmo assim, quantas vezes me esqueci que existiam as guerras. Quantas vezes me esqueci de ser atento e de amar sem ver a quem, preferi o egoísmo, esqueci de quem eu era. Essas crianças, “expostas” com a guerra, começaram a experimentar, dentro do teatro, modos de se salvarem, dar amor. É nesse momento que minha solidão se encontra com a delas. Talvez esse caminho não seja uma resposta, mas não suportamos ficar parados. Mas qual é o nosso processo de crescimento? Nisso tudo, onde estou? As minhas angústias, as nossas angústias, as minhas dúvidas, as nossas dúvidas. 

Voltando. Um rápido parágrafo sobre como foi a peça “A Graça do Ator”. Uma peça em quatro cenas. Uma grande mesa de madeira no meio. Começava com a cena “Perdia-a”. Uma grande confusão, palavras soltas, uma espinha dorsal, silêncio, teatro. Teatro. Passamos para a cena dois, o suicídio de Julieta, “Romeu & Julieta”. Todas as crianças iam para embaixo da mesa, começavam a rezar. A atriz, subia em cima da mesa, ficava bem na beirada da mesa, com o corpo inclinado, e outro ator a segurava para ela não cair. Era uma bela despedida. Passamos para a cena três, crianças fazendo Nelson Rodrigues. Valsa nº 6. Eles começavam a cantar uma música em francês estranha e aguda. Tiravam uma grande corda de dentro da mesa. Uma atriz ficava em cima da mesa e, os outros atores se dividiam, cada um segurando um lado da corda. A que estava na mesa fazia os personagens e, os outros atores, as rubricas. Ela tentava fugir da corda o tempo inteiro. Muita força depositada. Passamos para a cena quatro. O ator. Plinio Marcos falando sobre ser ator, teatro e o mundo. As crianças saiam correndo pela casa inteira, abriam todas as portas, corriam pela plateia, subiam em cadeiras, se amarravam em cordas. Terminávamos juntos cantando “como pode um peixe vivo viver fora d’água fria”. E fim! Terminamos um ano, foi um belo encerramento. Ainda precisamos nos defender. Continuamos caminhando juntos, a passos largos. Ainda somos eternos, ainda vivemos. Acredito que fazer teatro deve ser perto disso. 

Nelson Rodrigues, Plínio Marcos e Shakespeare para criança? Não me prendam ainda. Eu posso explicar esse caminho, que agora pode te parecer absurdo. Vamos ao começo de tudo. “A graça do ator”, por exemplo, nasceu quando as crianças estavam fazendo monólogos autobiográficos, e a partir deles as verdades doloridas que não poderiam ser expostas, mas que já era um grande passo para a própria liberdade individual e intransferível de uma criança em existência. Essas verdades doloridas que foram expostas me coloca lado a lado com a criança que faz teatro. Que sou eu mesmo. Nós, rebeldes sem bandeira, perambulando pelos lugares, conhecendo gente, sendo sensível, nós sofremos muito. Somos muito afetados e atravessados. Mesmo assim, ainda somos felizes. Acessar todas essas coisas, o leque do mundo, nos faz ter de recorrer aos clássicos. O clássico, a pesquisa dele, me mostra quem sou. Me mostra que a dor do outro é minha própria dor. Talvez, se compreendermos todas as informações que nos cercam, iremos conseguir nos canalizar melhor e lembrar que meu nome é eu.

Nesta pesquisa, tivemos de recorrer aos clássicos. Falamos sobre o que está acontecendo no mundo. Expliquei cada palavra, obra, texto, dramaturgo. Procurávamos respostas para as nossas perguntas, e são tantas. Todos indignados, juntos, lutando pelo o amor. Tudo flui, como uma grande sinfonia. Para se fazer teatro é necessário a dor, junto dela o amor. É necessário saber usar os olhos. Enxerguemos! Não se importa a idade do ator, se quiser fazer teatro, tem de fazer. Só pode dizer quem faz teatro quem faz teatro.

Ainda não tenho respostas para as minhas perguntas, e esse se torna meu artigo mais objetivo e prático. Não quero nos estender muito. Ainda lembramos os nossos nomes? Esse mês eu fui para São Paulo e chorei na Pinacoteca, na Av. Paulista, no metrô, na 25 de março. O mundo existe. Lembrei de meu nome. Lembrei de todas as coisas que estudei, vi, li e até cri. Ainda somos os mesmos, ainda lutamos contra a nossa vaidade, carregamos nossas idiossincrasias e amamos sem segundo ao medo. Até um próximo encontro, grande companheiro. 

Com amor e carinho,
seu, Febraro.

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