janeiro 20, 2018

O DIA A DIA DE UMA TRUPE DE TEATRO :: DEZEMBRO/2017

janeiro 20, 2018
Por: Thaisa Contar.



Olá! Vamos a mais uma viagem no dia a dia do Grupo Casa? Dessa vez, sobre o mês de Dezembro. Último mês de 2017. Chegamos ao fim do ano. Época de se reunir com amigos e/ou familiares para esperar a chegada do novo ano. O que será que o ano de 2018 vai nos trazer? O Grupo Casa deseja que o amor perdure. Pois o amor é o que nos move e nos faz pessoas melhores.

Eu havia prometido no último post que voltaríamos com as postagens assim que voltássemos de férias, lá pro dia 10/1. Mas quem quer férias sem trabalho? Queremos escrever!

Vamos conversar sobre o mês de Dezembro?

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Começamos o mês na loucura.

Logo no primeiro dia do mês, recebemos Mandu na nossa casa de cultura para conversarmos sobre reformas. Tivemos milhares de ideias juntos. Ligia manteve o bate-papo enquanto entrávamos para a aula dos adultos de quarta-feira com Fernando. Após finalizarmos os trabalhos do dia, nos reunimos no escritório para que Ligia nos contasse o restante do bate-papo e acabamos tendo outras milhares de ideias. Como reformar o M.E.R.D.? Como reformar o Teatro Arena Bosque? Como aproveitar o material que já temos nos dois espaços? A discussão e as ideias não nos deixavam dormir. Gabriel desenhava tudo. Pensamos em paredes de paletes. Cortinas pesadas. Paredes estouradas. Como conseguir pensar o cenário do espetáculo "A Vida é Sonho" tendo que manter a casa como escola? E assim vai uma longa discussão até altas horas da noite. Acredite ou não: são nessas discussões da madrugada que saem os melhores projetos do Grupo Casa. 

Espetáculos

Para o início do mês, fechamos três apresentações e uma oficina com o SESC em Corumbá. Logo na primeira semana do ano. De 4 a 6 de Dezembro. Tá. Segunda semana. Uma apresentação por dia. De terça a quinta. Na segunda e na sexta nós ficamos dentro da Teuda. A ida e a volta da viagem. Com paradas para comer com calma e esticar as pernas. De terça a quinta não ficamos parados. Bora entrar nas Aventuras de Bagacinho, porque quem conta um ponto cria um conto! Na terça o espetáculo foi "O Patinho Feio". Na quarta apresentamos "Dom Quixote de La Mancha". E na quinta fechamos as noites de aventuras com "O Trem do Pantanal", nosso espetáculo regional. Na quinta, ainda fizemos uma "Oficina de Criação e Contação de Histórias para crianças" ministrada por Ligia e Febraro. Achávamos que não terminaríamos a tempo de ir para o espetáculo e teríamos que deixar Thaisa sozinha com as crianças. Felizmente terminamos a tempo e não queimamos a imagem do Grupo Casa e seu "saber lidar" com crianças. Depois de todo esse trabalho, Corumbá foi desbravada pelo Grupo Casa. Conhecemos a Casa do Dr. Gabi. Ficamos fascinados. Uma casa toda decorada com a história de Dom Quixote. Entrou para a lista de desejos do Grupo Casa: apresentar Dom Quixote na casa do Dr. Gabi. Conhecemos mais um pouco da cidade e um pouco da Bolívia também. Vini ficou na casa em Campo Grande cuidando de tudo. Passou a semana vendendo espetáculos para escolas para que toda a cidade tenha acesso ao teatro e às aventuras de Bagacinho. Tivemos a presença de Bruno Loiácono durante a semana para dar as aulas da turma adulta de terça à noite e da turma infantil de quarta à tarde. 

Chegamos e logo nos desdobramos para mais uma aventura no Shopping Bosque dos Ipês. Dessa vez, fizemos O Natal da Chapeuzinho Vermelho. Um espetáculo muito gostoso que adoramos fazer em qualquer ocasião. Também fizemos o Natal do Sítio do Pica Pau Amarelo para as crianças do Dhama! Fizemos sem microfone. Era um espaço pequeno e fechado. Se arrependimento matasse…   Enfim. Além dos especiais de Natal da vó da Chapeuzinho Vermelho e da Dona Benta, também nos desdobramos para apresentarmos outro especial de Natal: O Quebra Nozes. Para este espetáculo contamos com todos os palhaços da trupe, assim como o último espetáculo do ano, a Retrospectiva 2017, outra loucura. Não tivemos tempo de passar nenhum dos espetáculos desse mês. As marcações foram quase todas no improviso. Na verdade, nós relembramos as marcações enquanto fazíamos a leitura do texto. Será que estamos ficando mais espertos? 

Além de nossas apresentações, tivemos diversas reuniões e conversas com o shopping. Sobre os planejamentos de mudança do espaço. Sobre a história e sobre as novidades da turma do Bagacinho. São mais de dois anos de espetáculos. Foram 117 apresentações e quase trinta mil espectadores. O Shopping Bosque dos Ipês é nosso parceiro nessa empreitada e o Teatro Arena Bosque tem se tornado uma alternativa de cultura e arte para toda a família aqui em Campo Grande/MS. As pessoas amam teatro e o teatro está sempre cheio. Ano que vem estaremos de volta com muita novidade. A Turma do Bagacinho entrou de Férias e volta no dia 14 de Janeiro!

Além do Bagacinho, o mês também contou com apresentações de duas das nossas turmas de teatro: Infantil 2 com "A Graça do Ator", espetáculo contendo quatro cenas, e Adulto 2 com "Declaração Universal do Moleque Invocado", espetáculo apresentado na forma de leitura dramatizada. Foram muitos encontros. Cada aula era um ensaio. Cada semana pedia mais de um ensaio, e nos encontramos mais de uma vez por semana para os espetáculos ficarem cada vez mais fofos. As crianças foram muito bem. Bibi interpretou a Julieta mais kid de todas. Muito amor. É o Grupo Casinha em cena. Brincando de fazer teatro. Nove crianças em cena se enfrentando e enfrentando o mundo. Caminhando juntos para um mundo melhor. Os adultos não conseguiram marcar todo o espetáculo. Ficamos nas mesmas posições sempre. Mas com improvisos nos movimentos. Foi interessante. A leitura do menino invocado ainda deve virar espetáculo. Estamos animados.

Casa

Em um dos ensaios do moleque invocado, convidamos Kim para morar na casa enquanto viajamos, passar férias na nossa casa de cultura, nesse hotel de luxo sem televisão. Ela topou. Fez até ceia de Natal com sua família. Precisávamos de alguém para cuidar de nossos cachorros. Foi difícil viajar e ter que deixar esses três pestinhas pra trás! 

Ah. Eram três. Agora são dois mais um. Esse mês os cachorros tiveram brigas pesadas. Shakespeare e Nelson não se suportam mais. Havíamos separado os dois apenas de cômodo. Shakespeare na lavanderia e Nelson no quintal. Os dois trocavam olhares de ódio e rosnavam um para o outro ainda assim. Separamos os dois de casa. Não encontramos outra solução. Mas adoramos essa. Nelson permaneceu na casa com Chaplin enquanto Shakespeare foi morar na outra casa. Descobrimos que Shakespeare é cachorro de apartamento, e agora virou uma dama que rebola e cuida da casa. A Kim agradece, pois não vai ter o desprazer de ver os dois brigando.

Kim ficou na casa de cultura cuidando de Chaplin e Nelson, enquanto Samuel ficou tomando conta de Shakespeare na casa de Ligia, Fernando e Febraro. Os dois viajaram no início do ano e tivemos que pedir ajuda para Adriana, mãe do Febraro, Lucas, irmão da Ligia, e Val, a vó dos cachorros, para que cuidassem dos três até voltarmos.

Dezembro

O mês de dezembro foi mais um daqueles. Depois de um ano de muito trabalho, o estresse toma conta. Tivemos brigas. Discussões. Sobre as atitudes e o comportamento de cada um de nós. Sobre educação. Sobre respeito. Sobre admiração. Sobre reconhecimento. Sobre terapia. Desabafo. Choramos. Nos entendemos novamente. 

Esse mês também tivemos três aniversariantes: Roberto, Gabriel e Vini. Com Roberto, jantamos, fomos ao cinema e comemos bolo depois de tudo. Com Gabriel, jantamos em São Paulo/SP, com direito a vinho e chuvinha. Com Vini, jantamos em Brejetuba/ES com bolo e vela grande.

Férias

Ih. Que férias que nada. Viajamos com as malas de todos nós e de todos os palhaços. Ligia, Fernando, Febraro, Kelly, Roberto, Vini e Gabriel. Gabriel ficou em SP e os demais partiram para o ES. Chegaram lá como Bagacinho, Bolonhesa, Carranca, Mixirica, Coringa e Espaguete. Ah! Batizamos o palhaço de Vini! Agora temos mais um palhaço pronto para se aventurar com a trupe mais querida no ano que chega! Ou antes mesmo. Espaguete fez stand-in de Berinjela em Rapunzel no fim do ano. Por enquanto Espaguete fez apenas substituição de membros da trupe, mas com muito amor e coragem!

Trabalho nas férias é pura diversão. Pra quem está tão acostumado a trabalhar, tirar só férias é muito difícil. Nessas férias, fizemos a alegria da criançada no natal da Fazenda Leogildo-ES. Foi bom demais! Pela primeira vez, a Turma do Bagacinho se apresenta fora do Mato Grosso do Sul, na estrada, sacudindo a poeira e conhecendo o Brasil. Muita emoção. Teatro na fazenda! Viva a arte em toda parte! 

Enfim: Férias 2017. Depois de tanto trabalho, partimos para o litoral. Ligia, Fernando, Febraro, Kelly, Vini, Gabriel e Roberto. Gabriel desceu em São Paulo. João foi para Brasília com sua família. Thaisa foi para Ubatuba com sua família. Samuel ficou em Campo Grande com sua família. Logo, Gabriel, João e Samuel marcaram voos para encontrarem o restante da galera em Vitória. De lá partiram para Búzios e, por fim, para São Paulo capital. E lá ficaram até o fim das férias. Thaisa escolheu voltar para Campo Grande, e não encontrar os demais em Vitória, para cuidar de nossos espaços. Agora é esperar a virada do ano e escrever artigos para o blog. Tiramos férias, mas não esquecemos de cuidar do nosso sangue: o teatro. Porque “a arte serve para produzir pensamento”.

Nas férias do Grupo Casa estivemos espalhados por muitos lugares. Cada macaco no seu galho. Mas todos nós sabemos pra onde voltar. Temos pra quem voltar. Juntos vamos voltando para Campo Grande. E fazendo teatro. Pensando teatro. Estudando teatro. Até nas férias o teatro é o quem nos move. A gente se ama e desejamos estar juntos em 2018. Que venha o futuro!

2017

2017 foi um ano de luta, de derrotas, de perdas irreparáveis, de mais golpes e muita merda no ventilador... Mas para nós foi um ano de trabalho, de algumas importantes conquistas no campo do entendimento e da construção coletiva. Foi o ano em que o Grupo Casa se fortaleceu trabalhando. Criar e manter um coletivo não é nada fácil. Depende de muito esforço, de muito sangue nos olhos e generosidade. Generosidade não é caridade. As relações são necessárias e independentes de nós. A natureza anda pra frente. Estamos indo. Um passo de cada vez, passos firmes, passos largos, mas passos do tamanho de nossas pernas. Hoje é tarde e amanhã nem existe! Até aqui nos ajudou o caos, nossa dignidade foi conquistada e seguimos com coragem. Muitos ficaram pelo caminho - "Abandonar o navio!!!" - Tudo bem, a fogueira da vaidade, da loucura, todos os dias faz sua vítima - Queremos mais, queremos chegar lá e quando não sabemos como, pulamos do barco no meio do oceano, nos colocamos à deriva - Aqui, no Grupo Casa, grupo que estamos criando todos os dias, estamos nós dando muitas oportunidades; de crescer, de viver, de fluir, de cantar, de ser mais forte, coletivamente. Nos fortalecemos para o grupo, respeitamos as individualidade do ser do bando, nunca estamos sozinhos. Bom para um, bom para todos. É difícil entender. Mas no nosso entendimento não há como ser diferente... para fazer teatro é grupo, para fazer circo é grupo, para fazer cinema é grupo, para existir é grupo. Que em 2018 saibamos entender o particular como universal. Morremos quando alguém se mata estupidamente. E que morte não é estúpida? Precisamos lutar pela vida. Aqui, não temos tempo para quem não é revolucionário. Não temos tempo para individualistas. Somos de Grupo, com o Grupo, para o Grupo. Que no próximo ano a gente se levante para abraços longos, beijos molhados e problemas de verdade. Sejamos mais, multiplicados, somados, divididos e jamais subtraídos. Coragem! Vem 2018!

É isso galera.
Um beijo e até o próximo post


janeiro 19, 2018

NO TEATRO, A MÚSICA É RELAÇÃO.

janeiro 19, 2018
Por João Celos.


Enquanto músico e integrante de um grupo que faz arte, perco tempo tentando enxergar onde a música se faz presente e necessária. Quais os caminhos escolho em relação ao nosso desenvolvimento musical, e, principalmente, o que da música que eu conheço é completamente abandonável nesse movimento, e o que precisa ser completamente ressignificado. 

Há algum tempo dou aulas ocasionalmente no curso de iniciação teatral do Casa, tarefa um tanto assustadora para mim, mas que depois de um tempo foi se tornando uma ótima brecha para executar algumas coisas que eu estudava, sentia ou aventava sobre música e teatro. A aula foi e ainda é um primeiro laboratório de análise de reações e resultados imediatos dessas atividades. 

Uma das compreensões do teatro é que ele é feito de relações. Seja da relação entre os discursos presentes, entre o artista e a plateia, entre os atores no jogo de cena, entre o corpo e o espaço-tempo, tudo é existente mediante algum encontro. A partir disso, uma das minhas primeiras intenções foi de alguma forma chegar à compreensão da música como oriunda de uma relação, de um encontro. Diferente daquilo que eu tinha vivido em relação à minha formação musical, essencialmente individual, mas de acordo com aquilo que já se estuda sobre a musicalidade na cena, as atividades nas aulas de música no teatro são feitas em grupo ou em duplas, buscando essencialmente um “start” musical que surja na relação entre os participantes, e não unicamente na descoberta ou desenvolvimento das habilidades individuais. As atividades propunham o desenvolvimento de ritmos em dupla, experimentando as sonoridades do outro corpo enquanto instrumento, de seus corpos em relação, do estabelecimento de um tempo em comum através do olhar e do contato físico, no qual os dois integrantes pulsem para estabelecer um ritmo guiado a partir daí. 

Um esforço que percebo necessário nessas práticas é se atentar ao desenvolvimento da capacidade dos participantes de identificar, reproduzir e se manter em um pulso, em um tempo constante, o que é notável em um exercício de passar palmas numa roda em um andamento determinado ou até mesmo no caminhar pelo espaço. Iniciar qualquer atividade propondo um andamento regente é uma prática que tenho seguido quase sempre, tanto no alongamento corporal ou vocal quanto em alguns exercícios mais complexos. Penso que inserir essa primeira estrutura musical em outras atividades não explicitamente musicais possa despertar uma noção que ultrapasse o âmbito da música formal e que contribua para a percepção desses elementos como constituintes da cena e da ação teatral. Além disso, a manutenção de um ritmo coletivo nos liga às habilidades de sintonizar-se a algo, de agirmos cenicamente em equilíbrio, sincronia. 

Um fenômeno que percebo constantemente nas aulas, é que exercícios de manutenção de um andamento regente por mais que possam ser repetitivos, nos afinam para próximas práticas musicais mais complexas. Iniciar algum trabalho musical com essas atividades é como alongar os músculos, os ouvidos, torna-los mais ágeis e atentos.  É visível ao longo de uma aula o “acordar” de um senso musical nos participantes, o que ocasiona as vezes até em algumas produções interessantes no fim dos trabalhos. 

Voltando às atividades em dupla, vejo como um início importante a tentativa de ampliar o entendimento de tempo, andamento e ritmo, e identifica-los não enquanto fenômenos exclusivamente ligados ao som, mas a qualquer presença no tempo e no espaço. Identificar a música como alturas, corpos, movimentos, visualidades, nos leva a experimentações possivelmente mais amplas. Estabelecer um ritmo em uma dupla pode não estar ligado à emissão de algum som, mas aos movimentos plásticos dos corpos, o que não tira o caráter musical do fazer. Descobrir que os corpos emitem sons e silêncios de infinitas formas, e que esse som é indissociável da imagem que produz e de sua presença no espaço é muito útil ao teatro. 

Nessas atividades em dupla, propunha-se muitas vezes que eles criassem músicas expressas através de sons e imagens. Percebo constantemente que a atividade de conferir visualidade aos sons é capaz de nos aproximar de conceitos musicais importantes, como as questões das alturas das notas, suas frequências e os movimentos de uma melodia. Permitir aos participantes chegarem através de seus próprios caminhos às concepções de que os sons agudos facilmente se relacionam com uma noção de alteza, de leveza, e que os graves são mais representáveis pelo peso, mais ligados ao chão, é experimentar a lógica das concepções musicais, atestar sua conexão com a realidade, e, portanto, permitir uma absorção dessas concepções de forma mais concreta. Além disso, creio que pedir para que pessoas com diferentes experiências musicais criem músicas, ao invés de tentarem simplesmente reproduzir algo imposto, as faça mobilizar suas diferentes habilidades e compartilha-las necessariamente com o outro, e de alguma forma, as inserir na urgência do teatro, na urgência da criação.

É claro que todas essas ações são apenas introdutórias de uma fazer musical no teatro, assim como minhas próprias experiências até agora apenas me introduzem tanto ao teatro quanto à música. Como tornar essas práticas de fato potentes para a construção de resultados mais complexos me é um mistério urgente para este próximo ano, que começa com a responsabilidade de desvelar caminhos que nos levem à música do nosso próximo espetáculo, A Vida É Sonho, e de continuar tentando crescer coletivamente.   


janeiro 18, 2018

COMO PODE UM PEIXE VIVO VIVER FORA D’ÁGUA FRIA

janeiro 18, 2018
Por: Febraro de Oliveira.


28 de Dezembro em 2017.

Prazer, meu nome é Febraro. Tenho dezenove anos e nada nas mãos. No meu artigo passado “A MINHA MESMA SOLIDÃO”, embarcamos juntos em uma pequena caminhada sobre a solidão de quem faz teatro. Da criança que faz teatro e do professor. Do mundo e nós. De você que me lê e eu. Caminhamos juntos sem medo. Essa é uma pequena recapitulação, para lembrarmos quem somos. 

Cada turma de teatro que ministro tem um caminho e uma jornada diferente. Todos eles caminham e se encontram e se perdem, mas não deixam de fazer teatro. Quero te contar um pouco melhor quais são os passos das aulas. Existiram, nesse ano, quatro turmas fixas de teatro para criança. Tivemos no meio do ano o 2º ETECA, onde as crianças faziam tudo, desde o cenário até a dramaturgia. Trabalhamos com o ator-criador, que forma pensamento, que faz arte. Foram, ao todo, mais de trinta apresentações só nesse ano. Desde monólogos até a peça com todos em cena.

Eu havia lhe contado no mês passado que estávamos caminhando para uma apresentação das crianças, a última do ano, chamada “A GRAÇA DO ATOR”. Nove crianças em um jogo de cena, se enfrentando, enfrentando o mundo, produzindo pensamento, entendendo o limite do outro, etc. Essa apresentação foi da turma mais velha das crianças, de oito até doze anos. 

O processo de todas as montagens são coletivas, surgem depois de descobertas do coletivo. Não inventamos, descobrimos o que está embaixo dos nossos narizes. Essa é a nossa pesquisa. 

Cada turma tem seu caminho. Uma turma, por exemplo, está começando um processo sobre o porquê de ainda existir guerras no mundo. Isso começou quando uma criança dessa turma, chegou em uma das aulas com a descoberta de ainda haver guerras no mundo. Começamos a conversar sobre o porquê das guerras. Não foi uma imposição, elas estavam indignadas e a indignação delas moviam o pensamento. Em que momento da história eu deixei de me chocar com as guerras? O mundo existe sem nós, sei disso, lutamos por aquilo que acreditamos que realmente importa, mesmo assim, quantas vezes me esqueci que existiam as guerras. Quantas vezes me esqueci de ser atento e de amar sem ver a quem, preferi o egoísmo, esqueci de quem eu era. Essas crianças, “expostas” com a guerra, começaram a experimentar, dentro do teatro, modos de se salvarem, dar amor. É nesse momento que minha solidão se encontra com a delas. Talvez esse caminho não seja uma resposta, mas não suportamos ficar parados. Mas qual é o nosso processo de crescimento? Nisso tudo, onde estou? As minhas angústias, as nossas angústias, as minhas dúvidas, as nossas dúvidas. 

Voltando. Um rápido parágrafo sobre como foi a peça “A Graça do Ator”. Uma peça em quatro cenas. Uma grande mesa de madeira no meio. Começava com a cena “Perdia-a”. Uma grande confusão, palavras soltas, uma espinha dorsal, silêncio, teatro. Teatro. Passamos para a cena dois, o suicídio de Julieta, “Romeu & Julieta”. Todas as crianças iam para embaixo da mesa, começavam a rezar. A atriz, subia em cima da mesa, ficava bem na beirada da mesa, com o corpo inclinado, e outro ator a segurava para ela não cair. Era uma bela despedida. Passamos para a cena três, crianças fazendo Nelson Rodrigues. Valsa nº 6. Eles começavam a cantar uma música em francês estranha e aguda. Tiravam uma grande corda de dentro da mesa. Uma atriz ficava em cima da mesa e, os outros atores se dividiam, cada um segurando um lado da corda. A que estava na mesa fazia os personagens e, os outros atores, as rubricas. Ela tentava fugir da corda o tempo inteiro. Muita força depositada. Passamos para a cena quatro. O ator. Plinio Marcos falando sobre ser ator, teatro e o mundo. As crianças saiam correndo pela casa inteira, abriam todas as portas, corriam pela plateia, subiam em cadeiras, se amarravam em cordas. Terminávamos juntos cantando “como pode um peixe vivo viver fora d’água fria”. E fim! Terminamos um ano, foi um belo encerramento. Ainda precisamos nos defender. Continuamos caminhando juntos, a passos largos. Ainda somos eternos, ainda vivemos. Acredito que fazer teatro deve ser perto disso. 

Nelson Rodrigues, Plínio Marcos e Shakespeare para criança? Não me prendam ainda. Eu posso explicar esse caminho, que agora pode te parecer absurdo. Vamos ao começo de tudo. “A graça do ator”, por exemplo, nasceu quando as crianças estavam fazendo monólogos autobiográficos, e a partir deles as verdades doloridas que não poderiam ser expostas, mas que já era um grande passo para a própria liberdade individual e intransferível de uma criança em existência. Essas verdades doloridas que foram expostas me coloca lado a lado com a criança que faz teatro. Que sou eu mesmo. Nós, rebeldes sem bandeira, perambulando pelos lugares, conhecendo gente, sendo sensível, nós sofremos muito. Somos muito afetados e atravessados. Mesmo assim, ainda somos felizes. Acessar todas essas coisas, o leque do mundo, nos faz ter de recorrer aos clássicos. O clássico, a pesquisa dele, me mostra quem sou. Me mostra que a dor do outro é minha própria dor. Talvez, se compreendermos todas as informações que nos cercam, iremos conseguir nos canalizar melhor e lembrar que meu nome é eu.

Nesta pesquisa, tivemos de recorrer aos clássicos. Falamos sobre o que está acontecendo no mundo. Expliquei cada palavra, obra, texto, dramaturgo. Procurávamos respostas para as nossas perguntas, e são tantas. Todos indignados, juntos, lutando pelo o amor. Tudo flui, como uma grande sinfonia. Para se fazer teatro é necessário a dor, junto dela o amor. É necessário saber usar os olhos. Enxerguemos! Não se importa a idade do ator, se quiser fazer teatro, tem de fazer. Só pode dizer quem faz teatro quem faz teatro.

Ainda não tenho respostas para as minhas perguntas, e esse se torna meu artigo mais objetivo e prático. Não quero nos estender muito. Ainda lembramos os nossos nomes? Esse mês eu fui para São Paulo e chorei na Pinacoteca, na Av. Paulista, no metrô, na 25 de março. O mundo existe. Lembrei de meu nome. Lembrei de todas as coisas que estudei, vi, li e até cri. Ainda somos os mesmos, ainda lutamos contra a nossa vaidade, carregamos nossas idiossincrasias e amamos sem segundo ao medo. Até um próximo encontro, grande companheiro. 

Com amor e carinho,
seu, Febraro.

É PRECISO CORAGEM!

janeiro 18, 2018
Por: Ligia Prieto.


A vida, o tempo inteiro, nos coloca à prova, à prova de nós mesmos. Ser uma diretora jovem de um grupo de teatro jovem é um desafio. A solidão insiste o tempo inteiro. O mês de dezembro foi cheio de desafios pessoais e artísticos para todos do Grupo Casa. Todos os meses são, mas esse foi o final de um ano. Precisávamos finalizar contas, organizar vidas, viagens, descanso, os projetos novos, a organização de todo o ano de 2018, entre outras coisas. Eu sempre estou resolvendo coisas. Dentro da cena, fora da cena, na cama, no banheiro, no chuveiro, na rua, com os outros, comigo mesmo, é muitas vezes insuportável. “Eu sou uma atriz, eu preciso de inspiração”, além disso, sou diretora de um grupo de teatro.

Muitas dúvidas de como prosseguir, qual caminho tomar, os focos de energia, tudo precisa ser absolutamente calculado dentro do caos diário, mensal, anual. Já vamos completar 4 anos. De muito trabalho, de muita loucura, de muita correria, de muito amor, amor e amor, só por amor e pela necessidade de viver. Neste último ano, tivemos uma média de 200 apresentações. Com os alunos, fizemos 2 festivais adultos, 1 festival infantil, 2 apresentações infantis fora de época, 3 apresentações adultas fora de época, oficinas extras, aulões gratuitos etc. A gente não se cansa. Mentira. A gente se cansa. É muito cansativo, mas muito prazeroso. E eu estou exausta. 

Eu sou a que monta as grades, a agenda, os eventos, vende os espetáculos, define os dias, as horas, os minutos de todos, estou em cena, corrijo todos os textos, desde a dramaturgia até os textos individuais, oriento as aulas, escolhos as comidas, faço as compras do mês, pago todo mundo, cuido do dinheiro, e esqueço de beber água. Mesmo com tanta coisa só pra mim, todo mundo tem uma lista de atividades, escrita e definida por mim com cada um, no final das contas, todos estamos juntos. Sempre o coletivo. O coletivo te faz diariamente abandonar suas vaidades. Entender o todo. Dói. Sou mulher, tenho 30 anos, e trabalho diariamente com teatro, com ideias, com criação, com dor, com amor, com gente, com atores excêntricos, com pessoas que são por muitas vezes mais velhas que eu. Sempre existe um olho torto, uma dúvida dos que não me conhecem. Mas a dor vem quando os de casa se entortam, duvidam, por mil questões individuais, é preciso enfrentar, reestabelecer as regras do jogo, reinventar-se. Cada um tem um mundo dentro de si. Enfrentar a si mesmo, ir além dos limites. Entender onde você termina e onde começa o outro. O teatro é aprendizado diário, crescimento constante, medo, dor, alegria, emoção pura.

Me emociono ao ver a vida de cada um. O caminho crescente que cada um teve e tem. As conquistas artísticas e pessoais de cada um. Esse mês de dezembro foi especial. O Fernando, meu parceiro na vida e na direção de tudo, tem 43 anos e surfa o tempo inteiro como se estivesse no mar, é generoso e impaciente, e ama todo mundo como se fossem seus próprios filhos, se faz de durão mas se emociona, assim como eu, com o crescimento de cada um, e então a gente vibra, vendo de perto esses artistas se desenvolvendo. Afinal escolhemos a dedo cada um que hoje faz parte do Grupo Casa. Tivemos sorte, poucos foram os desistentes do caminho. O Febraro inventa uma dor a cada dia, e vai pra cima da cena e das aulas das crianças como se amanhã já não existisse. Finalizou o ano das crianças com muita dignidade, como se fizesse isso há 30 anos. O Samuel se enfrentou, se debateu, se encontrou, se perdeu, e na última reunião do mês disse que a única coisa que queria fazer na vida era teatro até o fim, não temos escolhas, a vida que manda. Roberto pela primeira vez enfrentou um público surdo, se debateu, se descobriu, entendeu que a linguagem afasta e aproxima, salva e mata, é preciso tempo pra crescer um degrau de cada vez. Vini não sabia que os números eram tão positivos, e me disse a frase do ano em dezembro “tudo vira cena, tudo vira número, tudo vira teatro”, e por isso precisamos nos defender, nos cuidar, nos proteger, para podermos criar e continuar. Kelly escreveu seu primeiro texto completo no mês de dezembro de 2017, e foi o melhor texto do mês, um passo de cada vez, loira, até o mundo ter forma e domínio. Gabriel sempre se perde e se acha no meio do caminho, ele disse que precisava ficar uns dias com a vó dele pra lembrar de quem ele era, pensei: "como ele era capaz de se esquecer". Quando ele entrou na ciame perguntou porque eu tinha o convidado, e eu disse que era por causa do coração dele. No mês de dezembro ele criou coisas, uma árvore de natal torta que no final das contas ficou linda e fez toda a diferença. Ele também fez aniversário no mês de dezembro, e estávamos com ele comemorando em São Paulo, molhados, na chuva, comendo empanadas e tomando vinho. Thaisa faz tudo o que for preciso, ficamos com ela no mês de dezembro somente 15 dias, mas está diretamente ligada a mim, durante as férias só quem trabalha sou eu e ela. O João é um chato, e voa, cresce a cada instante, da formalidade da sua relação com o piano, para o treino do coral, para a sanfona, o violão, todos os instrumentos do mundo. Na última reunião ele ficou fazendo barulho igual a todas as outras reuniões, e ele fala, adora falar, acompanha eu e Fernando em todas as reuniões de “negócios”, porque somos pessoas de negócio, ele é um pequeno gênio, mas diz que só a gente acha isso. Ana Julia e Amanda, nossa senhora, até choro. Elas são adolescentes e têm a mesma vida que a gente, entram em cena como gente grande. Em dezembro tiveram que botar a boca no mundo e falar alto, brilham cada vez mais lindas. Eu me lembro do primeiro dia de cada um, e do dia em que os outros se foram. Dor e alegria o tempo inteiro.

Dirigir gente aberta e disponível, na maioria das vezes, é fácil e prazeroso, e às vezes te faz chorar, gritar, e tentar fazer com que teu coração se abra por inteiro e que todo mundo possa ver, já que você não consegue falar. O limite entre o achismo e a visão ideal, o “ver o todo”, entender a melhor saída da cena, e dos movimentos internos, dos riscos que cada um corre. Além de diretora da cia, minha profissão de formação é a psicologia. Fiz uma formação em psicanálise, uma especialização também em psicanálise, e desde sempre o teatro anda junto comigo em todas as minhas pesquisas. Amo as pessoas. Ver o outro, entender o caminho, as amarras dos outros, e as minhas. Durante o último ano quis desistir, recomeçar, e não sabia como. Neste mês de dezembro tivemos reuniões definitivas, com questões profundas, com duas possibilidades apenas de respostas "sim" ou "não". E assim fomos no sim. Além da dor, além do amor. Existe o nosso desejo comum. Fazer teatro. Um dia o João me disse, “não sei se amo o teatro porque amo o amor que vocês têm pelo teatro ou se eu realmente amo o teatro”. Depois de um tempo ele entendeu que era o amor dele, a música na cena. Eu sabia disso desde a primeira vez que ele conversou comigo. Depois de assistir um espetáculo do Grupo Casa, ele subiu no palco, me encontrou na coxia e disse: “Você é a Ligia?”. Eu disse que sim e ele continuou: “eu sou músico, toco piano desde os 9 anos de idade, mas eu quero fazer isso que vocês fazem, como eu faço?”. E assim uma história se começa. Como todas as outras. Vi todo mundo nascer, e como é fantástico, ver cada passo, cada dor, cada luta, cada choro, cada alegria, cada construção, me formar a partir de todos eles. Somos alguns muitos, meu coração deseja sermos mais ainda. A Teuda, nossa Kombi, tá ficando pequena, precisamos de um ônibus.

Nosso embate com a gente mesmo é constante. Tenho lido muito, entendido outras mulheres no mundo como potência. Minha grande referência é Ariane Mnouchkine, diretora do Teatro de Soleil. Me faz acreditar que tudo é possível. Viramos o ano. Com ele novos objetivos, novos projetos, novo fôlego. Já que tudo é possível, vem aí: “A vida é sonho”. Somos todos por todos. E assim seguimos, felizes, exaustos, incansáveis, e com coragem. É preciso coragem. Obrigada Grupo Casa, por me desafiar a cada minuto. Minha vida é inventada. Que seja longa.  



janeiro 16, 2018

SENTIMENTOS DO TEATRO NA ADOLESCÊNCIA

janeiro 16, 2018


Por: Amanda Maia

Tudo relacionado ao teatro me traz angústia. Uma dor de medo. Uma coisa estranha no peito. Parte disso está relacionada à tamanha responsabilidade. É uma responsabilidade enorme, e temos que trilhar caminhos para lidar com ela. Um bicho de sete cabeças. Ainda não sei qual a melhor forma de lidar com as coisas. Não faço ideia. E não sei se algum dia descobrirei. Tudo sempre é uma grande aventura. E que aventura não nos dá frio na barriga? São altos e baixos. Uma montanha russa. O teatro é tudo isso. Essa confusão. Esse misto de tudo. O teatro é tudo! Às vezes eu paro pra pensar na minha idade em relação ao teatro. É uma coisa louca! É uma magia. Eu tenho 13 anos e vivo tudo isso. Que loucura. É uma experiência sem igual. Todas as frustrações e alegrias são vividas tão à flor da pele. Eu tenho medo do ano que está por vir. Medo do meu ano no teatro. E do teatro no meu ano. Sempre há tanto medo. Ele anda comigo pra lá e pra cá. Não só ele como tantos outros sentimentos. Meus fieis escudeiros.

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Por: Ana Julia Teles.

Fazer teatro é difícil. Tudo é tão difícil. Lidar com as responsabilidades que surgem ao longo do tempo, os novos sentimentos, as novas dores, os novos medos. Medo de me descobrir cada vez mais e não ser o que eu pensava ser. Esse fim de ano foi bem difícil para a Biscoito e para a Ana Júlia. Fizemos muitas peças difíceis. As aulas de teatro sempre me deixam tensa, antes e depois, eu fico pensando o que poderia ter feito de melhor. As aulas de corpo são as mais difíceis de entender. A mim e ao meu corpo. Sítio do pica-pau amarelo sempre me traz novas surpresas e novos desafios. Fazer peça sem microfone foi uma das coisas mais loucas e difíceis a Biscoito já fez. O Quebra Nozes é uma peça linda e foi o meu grande desafio de dezembro. O teatro é como pegar na mão do desconhecido. A realidade é delicada demais. Eu tenho medo de tudo que ainda vou descobrir. Em mim. Em você. No mundo. No teatro. O teatro é um mundo de possibilidades. Você é uma possibilidade em meio a tantas outras. É a arte do encontro. Eu só me reconheço no outro. Muito obrigada Fernando, Ligia, João, Samuel, Thaisa, Kelly, Febraro, Gabriel, Vini, Roberto. Foi um ano lindo ao lado de vocês todos. Muito obrigada 2017. Viva o teatro!

Que sejamos muitos. Viva o teatro.

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janeiro 04, 2018

O DESAFIO DE ESCREVER

janeiro 04, 2018
Por: Kelly Figueiredo.


Encaro aqui o meu primeiro desafio de escrever um artigo. Sempre há tempo para mudar, tentar ser outro. Então bora lá encarar essa aventura que deixa o coração acelerado como em uma queda de paraquedas. 

Escrever, apesar de ser necessário, para mim é muito difícil, pois terei que me despir com as palavras certas e muitas vezes não sei usá-las, encontrá-las e encaixá-las. Mas procurarei colocar tudo que me veio e tudo que o coração pediu. 

O mês de dezembro prometeu. A nossa cabeça não para, então sempre temos coisas para arrumar, fazer, reorganizar e criar.

Embarcamos na aventura de criar alguns adereços novos para as próximas peças, que não são poucas. Para criar e recriar a partir do que já existe, precisávamos que o dia tivesse 72 horas. 

O primeiro passo é localizar tudo o que utilizaremos. Nossa casa é cheia de coisas, nada passa despercebido de nós quando estamos com olhos atentos e produtivos. Depois partimos para o nosso imaginário cênico. Acreditamos que tudo pode ser criado e transformado. E aí vamos nós. Este foi um mês que, apesar de eu, Gabriel e Samuel estarmos nos ambientando mais com as ideias do coletivo, eu particularmente me senti sozinha. Seria talvez pela minha falta de sensibilidade de entender as ideias, de abrir os olhos, de sentir pulsar algo dentro de mim que me faça explodir e reorganizar as ideias que me afloram, quais nem sempre consigo expor. Talvez pela falta de aprofundamento estético de criação. Depois que os meninos se juntaram a mim no ateliê, tenho praticado com eles o dialogar da construção antes de iniciarmos algo, coisa que eu não fazia antes. Antes eu fazia da forma que eu achava que seria o correto e, muitas vezes, estava enganada. Hoje ficamos algum tempo discutindo se o material é o ideal, se a cor funciona, se o objeto está dialogando com a estética do grupo, se é isso mesmo. Há vezes em que piramos, montamos e desmontamos. Várias e várias vezes até que o elemento dialogue com a estética do todo e isso me deixa muitas vezes sem paciência, sinto-me incapaz de realizar algo. Algo que seja visto com bons olhos, que seja o que todos achavam que deveria ser feito. 

Não é fácil criar. Criar demanda tempo e tempo não temos de sobra. Tudo é pra ontem. 

A missão de criar harmonia entre figurino, cenário e adereços nos impulsiona a sermos e nos afirmamos como artistas criadores. 

Existe um meio certo para criar? Um imaginário certeiro e preciso a respeito de cores e formas? Talvez não. Mas depois de errar algumas vezes, por falta de paciência, destreza e habilidade, descobri que o caminho para acertar é o da construção. Como uma lâmpada mágica que se acende e nos faz acreditar que tudo é possível. 

Só quando estamos realmente vivos e conectados é que os verdadeiros sentidos voltam a funcionar. A vista observa com real curiosidade e recupera a capacidade do encantamento, os ouvidos se abrem numa escuta carinhosa e atenta, a fala se torna calma e se manifesta com mais doçura. 

Voltando a dezembro. Nosso mês foi mais curto, já que saímos de férias após a primeira quinzena.  Porém nossa caminhada é longa e a arte é infinita. Dezembro também foi de decisões, como todo grupo, nós também temos desentendimentos. Penso eu que muitas vezes são causados por falta de entendimento e comunicação. Convivemos 24 horas por dia juntos, e isso não é fácil, às vezes colocamos coisas em nossas cabeças que não fazem o menor sentido. Precisamos nos reaver com isso e entender que nem sempre estamos certos. Precisamos nos cuidar e mudar a todo instante. Isso é muito importante em um coletivo: cuidar de si, do outro, e de nossas mentes. Do contrário, nos impregnamos de nossas verdades e vaidades, sendo que a verdade é apenas uma invenção individual. 

Todo dia fico pensando que é preciso me desarmar, deixar ser, me reinventar, receber, me abrir e canalizar toda a vivência e a experiência que passamos todos os dias, que são muitas. 

É preciso me acalmar, aprender a voar, me entregar e inovar com tudo o que me causa transtornos. Abraçar mais o meu coletivo, arriscar mais com eles, voar com eles e deixar que as palavras saiam de mim e que eu me organize por dentro e por fora.

Apesar de não gostar muito de escrever, encaro este desafio como um aprofundamento e conhecimento de toda a vivência e os acontecimentos que me cercam. Não sei brincar ou usar muito bem as palavras, não sou poeta e nem escritora, as palavras às vezes me dão medo, mas é uma forma de conseguir me desarmar e fazer as pazes com a escrita, com o saber passar algo para frente, com o dialogar com as letras, com o conhecimento e com o outro. 


NÚMEROS INQUIETOS, NÃO TRATEM MINHA LOUCURA.

janeiro 04, 2018
Por: Samuel Alejandro.


Este é o segundo artigo de toda minha vida. Toda segunda coisa tem fama de ruim. Então eu estou com dificuldade e dando voltas. Acontece que este mês não me parece um mês, mas sim um ano inteiro. Tivemos reuniões. Estive na berlinda. Algumas vezes. No ano. Quando Boris Casoy perguntou a Plínio Marcos se ele havia sido muito perseguido, Plínio respondeu que perseguido é coisa de bunda mole. “Eu fiz por merecer”. E desde então eu concordo. Teve Corumbá. Achei uma cidade muito especial. Teve Natal. Escrevi duas dramaturgias. Me meti a realizar os cenários e figurinos dessas dramaturgias junto de Kelly e Gabriel. Passei calor. Frio. Tomei chuva. Está tudo meio cru. Estou cozinhando aos poucos as informações. Estou cortando cenouras. Fiz meu último espetáculo do ano em um orfanato. Eu valorizo bastante os começos e os fins. Mas não lembro o primeiro espetáculo que fiz neste ano. Me sobraram muitos dias depois do último espetáculo. E não tenho nariz vermelho desde então. Fiquei até com medo de perder a prática. Esquecer as coisas. Esse tipo de coisa se faz todo dia. O teatro. Nesse mês eu contei até demais minha história. E eu contei com paixão para todo mundo que eu contei. E tive paixão por quem eu contei. Eu comecei a fazer teatro com 15 anos. Me pediram para andar pelo espaço pela primeira vez com 15 anos. Eu gosto mesmo é de colecionar as coisas. Em dezembro, eu andei de carretinha vestido de palhaço e dei tchau como uma miss. Uma vez, na minha primeira peça, eu dei um tempo dramático demais para a próxima fala e um menino falou. Silêncio é deixa e falamos juntos. Um dia, Fernando e eu fomos ao cabeleireiro e na volta, ele me disse: “Eu até pensei em você para fazer o Gepeto, mas você ficaria muito nervoso e estragaria tudo”. Outra vez, ele me disse que eu tenho mais cartas na manga do que ele e que isso um dia me levaria a ser um grande ator. Nesse Natal, eu ceei com as enfermeiras do hospital e estava delicioso. Eu gosto de colecionar bastante problema. E testo minha esperteza resolvendo. Como quando Ligia, Febraro e eu inventamos coreografias na hora. Somos um bom time. Todos os 10. 11. 12. Quem entrar. Quem ficar. Quem já foi. Desde criança, eu brinco de ter uma carreira. Sempre adorei falar “vou dar uma pausa na minha carreira, essa é uma nova fase da minha carreira, estou passando por um momento difícil na minha carreira”. E talvez eu brinque disso para sempre. E talvez, um dia, daqui pra frente, eu pisque o olho e perceba que tenho uma carreira. Eu pisque o olho e coma. Eu pisque o olho e dê um abraço. Eu pisque um olho e me apaixone. Eu pisque o olho pela última vez e morra. “A vida é um pisca-pisca”, já dizia Emília do Sítio do Pica-Pau Amarelo. Sempre gostei dela. Agora tenho de me despedir. A vida anda perigosa demais para o meu lado. É muita paixão envolvida. Mas eu gosto de amar. Em um ensaio de “O Pequeno Príncipe”, eu estava nervoso e gaguejando e errando. Então eu disse que odiava teatro. Fernando riu muito e disse que então eu estava perto de começar a amar. Dia desses, eu tentei relembrar essa situação e ele não se lembra. Perigo. Então vou começar. Nasci no ano de 1999, aqui mesmo, bem aqui e gosto daqui, filho de gente arranjada e arranjadora de problema. Minha mãe disse que eu parecia um joelho. E agora diz que pareço meu pai. As coisas mudam muito de figura. O meu grupo, o Grupo CASA, detentor deste blog e de várias outras coisas, como três cachorros, dois bebedouros e uma péssima coleção de talheres, viajou para o Espírito Santo. Foram na frente e eu fiquei aqui. Mas já os encontro. No dia dois, eu pego o primeiro avião da minha carreira. Fiquei meio solitário. Essa semana mesmo, eu me sentei em frente ao teclado e contei a mim mesmo a história de uma fada com uma música inventada de fundo. Acho que sou louco. Então, que ninguém descubra. E nem tentem me tratar pois é possível que funcione. Eu sou bastante maleável.

Com amor e odor, 
Samuel Alejandro. 

Essa é a segunda vez que assino assim. A primeira foi numa carta para o Roberto, nosso intérprete de Libras.



FINALMENTE UM SURDO NA PLATEIA!

janeiro 04, 2018
Por: Roberto Lima.



O que é ser um intérprete de libras dentro do mundo cênico? É uma pergunta difícil de responder. Não sou o mesmo de tempos atrás, quando comecei a aprender essa língua. Não sou o mesmo de dois anos atrás quando entrei no teatro, menos ainda de seis meses atrás quando a escola me consumia 40 horas do meu tempo, e com certeza não sou o mesmo de dois dias atrás, quando o Coringa teve seu primeiro expectador surdo depois de dois anos de espetáculos! E a mágica está em confessar que o milagre aconteceu em nossas férias, no estado do Espírito Santo, Brejetuba, na fazenda Leogildo. Esse fato trouxe de volta questões que me consomem intrinsecamente! Voltei a debater com nossos diretores a respeito! O que é realmente a inclusão e qual a melhor forma de fazê-la? Manter o intérprete em uma lateral qualquer da cena e fazer o público surdo escolher entre peça e sinalização? Pôr o intérprete dentro de cena para acabar essa disputa? Tornar o intérprete uma personagem da história? Qual a melhor solução? Manter diálogos paralelos com o público surdo e tornar a tradução em si um segundo plano? Esquecer os demais integrantes? A complicação entre dividir sua atenção entre um público específico e reduzido dentro de um montante de outras pessoas e aos demais integrantes do coletivo, perceber a cena e sua movimentação, o desenrolar da história e sua posição diante dela. Um violão que cai e alguém precisa pegar. O violão que eu, intérprete, estava tocando em cena, agarrado às minhas costas que cai e alguém precisa pegar...  A dúvida do que é mais importante. Qual elemento prevalece? A sinalização? A música? A cena? Que elemento prevalece? O todo, o conjunto da obra deve se elevar igualmente! Entendi! Não se pode preservar mais o azul e dar menos importância ao rosa! Enfim, ter um espectador surdo na plateia, alguém que eu pudesse dirigir a fala sinalizada, fez toda uma diferença na minha cabeça. Ele, Guilherme, o espectador surdo, de 12 anos de idade, não tem consciência do quanto me fez sentir que preciso melhorar! Preciso estudar mais e entender sobre minhas limitações e paradigmas mentais! Não sou o mesmo de dois dias atrás e espero estar em constante mudança a favor dessa construção que nos dispusemos a principiar.

Há alguns dias eu decidi que queria muito ter um nome pra essa junção de ator e intérprete! Algo que pudesse me definir quando alguém me questionasse sobre qual trabalho desenvolvo... A sigla para intérprete de libras é TILS, e experimentei colocar a letra “A”, de ator, no meio dela pra ver como ficava: TAILS, TIALS, TILAS, TILSA... Nenhuma ornava, foi bem triste! Até que entendi uma coisa: todo intérprete precisa ser um pouco ator, mas nem todo ator é intérprete... Então a ordem deveria ser Ator/Intérprete, e não Intérprete/Ator, e assim a sigla veio! ATILS ou A-TILS (Ator Tradutor Intérprete de Libras). Termino o ano com um pouco mais de identidade e entendimento sobre a causa que me causa. Entendendo ainda que o inicio está acontecendo, finalmente um surdo na plateia! Vamos continuar insistindo na acessibilidade. E buscar as saídas possíveis para que ela seja verdadeira. 

OS DESPERTADORES NÃO NOS ACORDAM!

janeiro 04, 2018
Por: Gabriel Brito.


Confesso que já me irrita escrever. Irritado? Eu sou. Da última vez me apresentei em 3, falando sobre 9 e nós 3. Hoje sou um só, mas me encontro em outros 11 falando sobre 1, complicado? Pois é, daí vem o irrito, mas também a paixão por esse grupo. Chegamos em Dezembro! Para muitos o fim, para mim o começo! Nasci nesse mês! Prazer, sou Gabriel Brito, agora com 20 anos. Ainda designer, ainda artista plástico, ainda ator, ainda irritado e ainda apaixonado. Se ouvirem um despertador nesse momento não espere que acordemos, pois esse foi o mês que os despertadores não nos acordaram! 

Estou acordado agora, não graças ao despertador, mas graças a esse texto. É difícil para mim lembrar das coisas e escrever sobre elas, ainda não descobri em qual universo paralelo a escrita e o desenho se encaixam, vão perceber pela ordem cronológica das coisas ou pela falta de nexo. Não sei. Mas acostumem-se até que eu me entenda com isso. Pois esse mês revirou a minha, as nossas cabeças. Para muitos a alegria do Natal, para nós: Árvore de natal, enfeites de natal, artes de natal, espetáculos de natal, árvore de natal. Árvore de Natal. Fizemos nossa primeira árvore de Natal! Foi um processo de criação um tanto interessante e exaustivo. Mais uma vez: juro solenemente que só compramos cola quente. A árvore surgiu do jornal, do retalho, e da nossa famosíssima corrida contra o tempo. Me sinto cada dia mais ágil. Ainda bem. Não sei como faria tudo se não me sentisse ágil. Dividimos o ateliê com cachorros, em um segundo estamos queimando o dedo na cola quente e no outro enchendo um balde d’água para separar uma briga. Eu adoro isso. Salvo a árvore primeiro, deu trabalho. Depois os cachorros. Mordidas à parte, estamos trabalhando de novo.  

Fim de ano é essa correria mesmo. Ainda mais quando se almeja as tão sonhadas férias. É sentar em frente ao computador e imaginar ser um grande designer e fazer as melhores artes, uma atrás da outra. É parar no hotel e passar na recepção com um figurino inteiro para construir, e imaginar o serviço de quarto entrando e vendo um ateliê completo lá dentro.  É isso mesmo. Acho que aprendemos a ser um ateliê ambulante. Onde estivermos abrimos nossas mochilas, ligamos nossas mentes e seguimos com trabalho e construção. Não há lugar que nos escape. Nem beira de piscina, nem quarto de hotel, nem mesmo nossa Kombi, nem mesmo os 4 cantos do mundo. Onde estivermos, estaremos criando.

Penso como artista que - ao viajarmos ou em qualquer lugar que estivermos - as referências estão lá fora, a verdade está no mundo. Devo-me prestar ao papel de amante do colorido mundo exterior. Dar-me por satisfeito por tirar proveito da superfície do mundo sem me afastar do meu círculo, da minha casa, da Kombi. Amo viajar. Amo descobrir. E trazer tudo isso em forma de trabalho para um coletivo é extremante satisfatório. Aos poucos vamos descobrindo cada vez mais o crescimento de nossas potências individuais. Eu ainda tenho aquele medo de artista de não atingir o fim, mas quem não? Isso me move. O Relógio não para, e o motor da Kombi também não. Enfrentamos a estrada, e as janelas são pura criatividade. 

No momento chegamos às tão sonhadas férias. Sonhadas Férias. Quando penso em “Sonho” penso em trabalho, é inevitável, A Vida é Sonho, afinal. Mas isso será tema de artigos futuros, que com certeza serão incrivelmente recheados de novos processos de criação, trabalho e construção. Já esboço cenários em sketchbooks velhos guardados nas gavetas. Figurinos perdidos em papéis de anotações. Assim começa uma história, assim começa uma cenografia, assim se monta um novo espetáculo, mesmo nas férias. Ah sim, as férias, quase me esqueço delas. Estamos distantes, para logo nos reunirmos. Nossas mentes descansam do trabalho ágil, mas continuam a criar e construir. Somos compulsivos. Não posso ver um papel em branco. Mas dei uma pausa, me esqueci um pouco porque me apaixonei. Sim, a gente se apaixona não só pelo trabalho, louco como dá tempo né!? Na verdade não dá, mas gostamos muito de amar. Amamos amar. Eu desci da Kombi, fiquei em SP, eles foram para o ES, mas logo estarei lá. Todos nós. E um ateliê na praia (se precisar), pois a arte é ambulante. 


UM DIA DEPOIS DA CHEGADA.

janeiro 04, 2018
Por: Vini Willyan.


De livros e jantares:

Todos os dias entra e sai, mais sai do que entra. Como isso é possível? Ainda não sei. Passeamos pelo quase caos da preocupação, até que por mágica (alguns chamariam de trabalho duro) os cifrões chegam. Na tabela de contas começamos a ler PAGO, PAGO, PAGO. A mim isso é tão bom quanto ler TRANSAÇÃO APROVADA.

Somos Dez. Dez que comem, bebem, vestem e tomam remédios. Dez que moram, tomam banho e usam ventilador. Dez e três cachorros. Dez, três cachorros, 100 alunos e as visitas. 

Após minha chegada conheci vários restaurantes. Não há regras ou preços para comer, exceto quando não temos como pagar. A mesma facilidade se estende aos livros. Não poupamos um vintém sequer. Livro e comida estão no mesmo patamar de importância. 

Ligia acompanha as entradas e saídas, enquanto eu anoto. Isso nos custa tempo e extrema atenção. Poderíamos passar dias inteiros anotando, cobrando, lançando, calculando, etc. Fato é que não temos esse tempo. Precisamos ler, decorar, treinar o corpo, a voz, a oratória, nos relacionarmos uns com os outros, ouvir, falar, respirar e dormir. 

Ah dormir! Como é bom e como desejo. No momento em que escrevo isso então... Se recebêssemos por hora trabalhada certamente seriamos milionários. Mais novo eu tinha medo de passar a maior parte da minha vida dormindo como a maioria das pessoas, um mês no Grupo Casa e isso não será mais possível.

Ficar acordado não é só uma necessidade, mas uma vontade. Vontade de terminar logo, de escrever só mais um pouquinho, de fazer a última anotação ou mandar a última mensagem. O arrependimento desse sacrifício vem com trilha sonora, todas as manhãs, junto ao despertador. 

Dó-ré-mi-nós:

O ritmo vivaz se estende a todas as outras questões. Questões políticas e filosóficas, comportamentais e afetivas. Tudo é levado a sério e com importância, até o desimportante. 

Às vezes sinto que estamos em níveis desiguais dentro desse ritmo. Todos os dias temos que nos perceber e perceber o outro. Se animar e animar o outro. Igualar nossas importâncias, nosso comprometimento e nossa visão. Há vezes em que isso dói, em que machucamos o outro e somos machucados pelo mesmo. Sempre é outro. Nossa morada é uns nos outros.

Por sermos casas uns dos outros, precisamos redobrar nossos esforços para nos dar forma. Para escolher a mobília, as palavras, a textura. Alguns comportam mais humor, outros menos. Uns choram mais, outros dão mais risos. 

A soma desses acordes nos faz música, nos põe em posição diferentes, nos cria necessidade de combinação, de harmonia. 

O mês de dezembro foi de afinação. Não demora muito a desafinarmos, entretanto, nossos ouvidos rápidos para reconhecer estranhezas não nos permitirá permanecer assim por muito tempo. E, além disso, ainda temos o João.

Me passa hoje pelos ouvidos alguns sons. Sons de Thaisa, de Febraro.  Há um tiquinho de mim neles e um tiquinho deles em mim. Se fossemos traduzidos em canção, passearíamos por todos os gêneros já catalogados e inventaríamos novos. E, com toda certeza, o Fernando seria o refrão. Seria cheio e grudaria em nossas cabeças.

Jogue suas tranças, Rapunzel: 

E no alto da torre, após os números, a música e o outro, vive o autor desta fala.

Estou tentando fugir da metáfora e não consigo. Essa é apenas uma das minhas limitações. Não costumo falar sobre elas, exceto quando fico de banda alimentando silêncios no aguardo de ouvir um: “E aí, está tudo bem?”. E basta essa frase para que eu fique. Meu sofrimento é inteligente e só me procura quando estou a sós. Perto do carinho e da companhia, ele se oculta. 

Estamos agora em Brejetuba, no Espírito Santo. Viemos de Kombi. Nem todos os atores estão aqui e temos duas sessões para apresentar. Irei substituir o Gabriel que faz o pai da Rapunzel. Inicialmente substituiria o João, fazendo a vela de A Bela e Fera mas, durante a viagem até chegarmos aqui, mudamos de ideia. Aliás, mudanças de ideias são constantes e comuns. Isso me assusta um pouco, não me sinto confiante para enfrentar imprevistos quando falamos de cena. Falta de confiança é, por exemplo, mais uma de minhas limitações. 

Embora esses conflitos sejam reais, ao mesmo tempo me ronda uma sensação de potência, de capacidade. Perco muito dessa energia quando preciso me haver com minha voz e corpo frente aos outros, ao perceber falhas entre a forma que imaginei e a forma sendo executada. Mas em seguida minha energia é restaurada pelo meu desejo de conseguir, de ser bom e fazer bem feito.

Meses atrás, quando substituí o Roberto fazendo o Curupira e o Caboclo do Mato em "O Trem do Pantanal", dediquei muitas horas treinando o registro da voz, o corpo e a forma das palavras. Hoje prestes de fazer mais uma participação no Bagacinho, sinto-me menos dedicado, ao mesmo tempo que me sinto mais entrosado com a lógica do teatro. É contraditório. É o Teatro. Talvez por isto me dê folga e entenda que meu comprometimento é o mesmo. 

Quando falo de mim, não posso garantir que minhas observações equivalem à verdade. O perigo de se descrever é construir uma pessoa que você não é, mas a que pensa ser. E disso eu costumo fugir.

Mas a novidade boa é que fui batizado como palhaço. O palhaço Espaguete. Viva o Espaguete. Não vejo hora de falar mais sobre ele, espero que seja em breve. 

Estou ansioso por esse ano que entra. Ansioso pela vida, pelo futuro, por viver. Meu desejo é que nos tornemos cada vez mais potentes, ágeis e resistentes. Que enfrentemos o mundo com amor, e que vençamos.

Meu desejo é que avancemos e que você, leitor, venha conosco. 


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