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fevereiro 28, 2018

TUDO É A PRODUÇÃO DO NADA

fevereiro 28, 2018
Por: Vini Willyan.


Entrego-me. Aliás, tudo o que tenho feito é me entregar. Como amigo, filho e amante. Dois mil e dezoito chegou e eu quero me jogar.

Há meses, a lógica era outra. Quanto mais contido melhor. Engravatado, em pé. Os olhos correm observando a todos enquanto o corpo fica imóvel. Garçons equilibram bandejas e correm enquanto o relógio, por descaso, para de girar. Tudo está no lugar. O guardanapo e a forminha do bombom. Os assentos estão contados. Ninguém entra sem apresentar o convite.  Pratos e talheres são jogados nas cubas da pia para acentuar o cansaço. 

A festa acabou. Ufa!

Me livrei da busca do “eu alinhado”. Da prisão que é ter que acertar em tudo. Agora eu erro. Erro bastante e ainda levo bronca. Eu as recebo pois, para mim, vêm de amigos. Minha vida é a realização de um plano meu, mas que me deram. Que fora escrito antes de mim, mas para mim. Escrito num tempo em que eu me via perdido. Agora os encontrei, e me encontro também.

Eu amo as pessoas do meu lado. Amo até quem não conheci. Os que acabaram de sair e aqueles que entrarão. Essa é a minha tribo. Caminham antes dos meus passos e agora finalmente nivelamos nossas andanças.

Para onde vamos?
Para onde correm os versos, as luzes, os olhares?

Estou no centro do palco segurando uma bolsa cheia de notas fiscais. Há uma luz em mim. Ela salta dos meus batimentos cardíacos e sonha em mudar o mundo. 

Existir demais é cansativo, mas não há honra sem luta. Hoje eu acordei confiante, punho cerrado. Tenho os meus e vou em frente. A peleja é dolorida e, às vezes, estou cansado.

Quinze minutos de caminhada e eu chego ao consultório da Eliza, minha analista. Falamos muito nos últimos tempos sobre Sófocles, Tirésias, Édipo e Neruda. Ela também é administradora e diz frases lindas. Não sei se Lacan as deu ou foram os mil poetas que já sentaram à sua frente. Eliza deve ser poeta. Eliza devia fazer teatro. Ao menos ela entende que: “Talvez não ser, é ser quem tu sejas ­– Neruda”. 

O poeta me intriga. Esse mês foi dele, pra mim. Em mim. 

Voltamos de viagem e começamos a reorganizar os planos, as contas, a limpeza. Consertamos o meu celular e agora posso receber ligações. É nele que me comunico com possíveis parceiros. Esclareço dúvidas e fecho novos trabalhos, mas infelizmente ainda não fechei nenhum. Será que perdi o talento pra coisa?

Me sinto hiperativo e poderia passar o dia colocando o tapete no lugar. A cada pisada ele se move.  Tapetes me aproximam do caos. Estamos todos corridos arrumando e o Samuel resolve sair. Rapaz, aperte a minha mão e leve um abraço. O meu coração honestamente te deseja leveza e amor. Há em mim também o desejo de que não te falte afeto, e que de amores você transborde.

Continuemos a arrumar... Um quarto novo, uma cama, uma tv, um guarda-roupas. Escolher a posição dos móveis é uma dança maluca. Quem me acompanha? Em que braços estou? Tudo está corrido e precisamos parar.

Minha amiga está lidando com os seus fantasmas. Há dias se sente mal e agora precisa de uma pausa. Precisa de ginástica, caminhadas e uma nova alimentação. Precisa de umas gotinhas disso e outras daquilo. De menos açucares e alimentos refinados. Pra mim não tem remédio melhor que amor e carinho. Ligia é um ser precioso e escasso no planeta. Eu a espero boa. Pra ontem, pra já, pra sempre. 

Sinto falta da mamãe. De vê-la mesmo que por um minuto durante o dia. Sinto falta do café e da comida da Renata. Dos dengos da vovó e do abraço dos primos. Eu posso visitá-los, mas a questão que fagulha em mim é: “Será que eles vêm?”
O poeta e a poesia ainda me salvam. Amenizam as dores do mundo, parece que nossa solidão se acaricia. A falta que há em mim saúda a falta que há em você.

Tenho o mundo pela frente e tudo me barra. Preciso me salvar. 

A frente vejo vir Segismundo, Clotaldo, Astolfo e Estrela. Vejo vir cabos, luzes, espelhos, mesas e paredes. Estamos todos reunidos no M.E.R.D. aguardando o Fernando iniciar o encontro. Diversas intenções saem de nossas vozes enquanto lemos. Ao menos cinco vezes seremos interrompidos por alguém que acaba de chegar. O interfone nos alerta. Chegou minha vez de ler. Um grande soco me acerta na barriga e um frio sobe a goela. Eu preciso ignorá-lo e dominar o diafragma. Enquanto eu pensava no modo que tensionaria o corpo, minha energia se foi e a voz já alcançou o final da frase. Fim da primeira leitura. Antes de chegarmos na terceira, nossas impressões se tornarão discussões a respeitos da arte, do ser, da civilização.  

O encontro acabou. Houve ganhos. Estranhamente sinto que cheguei ao nada, como se um vazio das sensações do passado se instalasse. Nada se assemelha ao que sinto agora.  Eu desejo o novo e algo me faz crer que o novo só existe onde não há nada. Amanhã nos encontraremos novamente. Estou ansioso para ver o que o nada se tornou. Em breve espero que você veja também. 

Agora preciso fazer anotações, contas e algumas ligações. Ah, e pôr o tapete no lugar. Obrigado pela companhia. 


janeiro 04, 2018

UM DIA DEPOIS DA CHEGADA.

janeiro 04, 2018
Por: Vini Willyan.


De livros e jantares:

Todos os dias entra e sai, mais sai do que entra. Como isso é possível? Ainda não sei. Passeamos pelo quase caos da preocupação, até que por mágica (alguns chamariam de trabalho duro) os cifrões chegam. Na tabela de contas começamos a ler PAGO, PAGO, PAGO. A mim isso é tão bom quanto ler TRANSAÇÃO APROVADA.

Somos Dez. Dez que comem, bebem, vestem e tomam remédios. Dez que moram, tomam banho e usam ventilador. Dez e três cachorros. Dez, três cachorros, 100 alunos e as visitas. 

Após minha chegada conheci vários restaurantes. Não há regras ou preços para comer, exceto quando não temos como pagar. A mesma facilidade se estende aos livros. Não poupamos um vintém sequer. Livro e comida estão no mesmo patamar de importância. 

Ligia acompanha as entradas e saídas, enquanto eu anoto. Isso nos custa tempo e extrema atenção. Poderíamos passar dias inteiros anotando, cobrando, lançando, calculando, etc. Fato é que não temos esse tempo. Precisamos ler, decorar, treinar o corpo, a voz, a oratória, nos relacionarmos uns com os outros, ouvir, falar, respirar e dormir. 

Ah dormir! Como é bom e como desejo. No momento em que escrevo isso então... Se recebêssemos por hora trabalhada certamente seriamos milionários. Mais novo eu tinha medo de passar a maior parte da minha vida dormindo como a maioria das pessoas, um mês no Grupo Casa e isso não será mais possível.

Ficar acordado não é só uma necessidade, mas uma vontade. Vontade de terminar logo, de escrever só mais um pouquinho, de fazer a última anotação ou mandar a última mensagem. O arrependimento desse sacrifício vem com trilha sonora, todas as manhãs, junto ao despertador. 

Dó-ré-mi-nós:

O ritmo vivaz se estende a todas as outras questões. Questões políticas e filosóficas, comportamentais e afetivas. Tudo é levado a sério e com importância, até o desimportante. 

Às vezes sinto que estamos em níveis desiguais dentro desse ritmo. Todos os dias temos que nos perceber e perceber o outro. Se animar e animar o outro. Igualar nossas importâncias, nosso comprometimento e nossa visão. Há vezes em que isso dói, em que machucamos o outro e somos machucados pelo mesmo. Sempre é outro. Nossa morada é uns nos outros.

Por sermos casas uns dos outros, precisamos redobrar nossos esforços para nos dar forma. Para escolher a mobília, as palavras, a textura. Alguns comportam mais humor, outros menos. Uns choram mais, outros dão mais risos. 

A soma desses acordes nos faz música, nos põe em posição diferentes, nos cria necessidade de combinação, de harmonia. 

O mês de dezembro foi de afinação. Não demora muito a desafinarmos, entretanto, nossos ouvidos rápidos para reconhecer estranhezas não nos permitirá permanecer assim por muito tempo. E, além disso, ainda temos o João.

Me passa hoje pelos ouvidos alguns sons. Sons de Thaisa, de Febraro.  Há um tiquinho de mim neles e um tiquinho deles em mim. Se fossemos traduzidos em canção, passearíamos por todos os gêneros já catalogados e inventaríamos novos. E, com toda certeza, o Fernando seria o refrão. Seria cheio e grudaria em nossas cabeças.

Jogue suas tranças, Rapunzel: 

E no alto da torre, após os números, a música e o outro, vive o autor desta fala.

Estou tentando fugir da metáfora e não consigo. Essa é apenas uma das minhas limitações. Não costumo falar sobre elas, exceto quando fico de banda alimentando silêncios no aguardo de ouvir um: “E aí, está tudo bem?”. E basta essa frase para que eu fique. Meu sofrimento é inteligente e só me procura quando estou a sós. Perto do carinho e da companhia, ele se oculta. 

Estamos agora em Brejetuba, no Espírito Santo. Viemos de Kombi. Nem todos os atores estão aqui e temos duas sessões para apresentar. Irei substituir o Gabriel que faz o pai da Rapunzel. Inicialmente substituiria o João, fazendo a vela de A Bela e Fera mas, durante a viagem até chegarmos aqui, mudamos de ideia. Aliás, mudanças de ideias são constantes e comuns. Isso me assusta um pouco, não me sinto confiante para enfrentar imprevistos quando falamos de cena. Falta de confiança é, por exemplo, mais uma de minhas limitações. 

Embora esses conflitos sejam reais, ao mesmo tempo me ronda uma sensação de potência, de capacidade. Perco muito dessa energia quando preciso me haver com minha voz e corpo frente aos outros, ao perceber falhas entre a forma que imaginei e a forma sendo executada. Mas em seguida minha energia é restaurada pelo meu desejo de conseguir, de ser bom e fazer bem feito.

Meses atrás, quando substituí o Roberto fazendo o Curupira e o Caboclo do Mato em "O Trem do Pantanal", dediquei muitas horas treinando o registro da voz, o corpo e a forma das palavras. Hoje prestes de fazer mais uma participação no Bagacinho, sinto-me menos dedicado, ao mesmo tempo que me sinto mais entrosado com a lógica do teatro. É contraditório. É o Teatro. Talvez por isto me dê folga e entenda que meu comprometimento é o mesmo. 

Quando falo de mim, não posso garantir que minhas observações equivalem à verdade. O perigo de se descrever é construir uma pessoa que você não é, mas a que pensa ser. E disso eu costumo fugir.

Mas a novidade boa é que fui batizado como palhaço. O palhaço Espaguete. Viva o Espaguete. Não vejo hora de falar mais sobre ele, espero que seja em breve. 

Estou ansioso por esse ano que entra. Ansioso pela vida, pelo futuro, por viver. Meu desejo é que nos tornemos cada vez mais potentes, ágeis e resistentes. Que enfrentemos o mundo com amor, e que vençamos.

Meu desejo é que avancemos e que você, leitor, venha conosco. 


dezembro 02, 2017

ENTRANDO EM UMA COMPANHIA DE TEATRO: O FENÔMENO GRUPO

dezembro 02, 2017
Por: Vini Willyan.


Há um ano venho experimentando novas e intensas descobertas. Em mim e no mundo. Expô-las agora me parece precipitado. Me sinto em processo de entendimento. Entendendo a mim, o outro, o grupo e o caminho pela frente. Decidi nomear esse processo de “Fenômeno Grupo”.

Aos poucos vou descobrindo o Grupo Casa. Os artistas que compõem esse coletivo. O dia a dia de uma companhia e a arte de fazer teatro. Procuro me encontrar no todo. Caminhar no mesmo ritmo. Há uma necessidade de soma, de contribuir e receber. Se me percebo fora do ritmo, sinto que preciso me afinar. As palavras, o corpo e a consciência se transformam. Experimento o infinito diariamente. Em grupo eu sou e posso mais.

Tenho a ótica de um recém-chegado. E sou visto da mesma forma.

Enquanto minhas impressões são formadas, se forma também minha posição. Vou encontrando meu lugar, minhas funções e a importância disso dentro da missão.

Sim, dividimos uma missão: a de fazer e viver o Teatro. Não apenas como uma simples atividade humana, mas como um estilo de vida.

Para entrar nessa aventura, precisei sair. Sair de lugares cômodos que me aprisionavam e inutilizavam. Foi como realizar uma conversão. Decidi deixar para trás crises emocionais, noites solitárias de música, choro e poesia.

Minha rotina mudou. Os horários mudaram. A alimentação. O sono. A vida.

Os espaços vagos foram se preenchendo. Seja no ateliê aprendendo a importância da construção dos elementos cênicos, ou na frente do computador entendendo os números que movem o Grupo Casa.

Durante as manhãs nos reunimos para trabalhos de pesquisa, leitura e corpo. As tardes são de música, e as noites de aula. Preciso e quero estar presente, muito mais que antes.

A casa parece funcionar organicamente. Como um corpo. Observo cada membro com carinho e admiração. Se nos entendo como corpo, os preciso muito mais que antes.

Tenho hoje o coração sorridente, cheio de gás. Quero preservar essa energia, ou melhor, quero que ela se alargue e encontre mais.

Sei também dos desafios. Imagino que muitos estão por vir. Alguns deles já chegaram. Mantenho-me firme. Para fazer teatro preciso ter garra. Não há tempo para vaidades. Só há tempo para ir em frente.

Hoje tenho vinte e dois anos, em menos de um mês farei vinte três. Imagino, às vezes, como teria sido se tivesse chegado mais cedo. A imaginação corre. Preciso parar e me convencer de que para tudo há sua hora. Sinto que as experiências pelas quais passei e a fome de existência que senti foram necessárias para as certezas que encontrei.

No último mês precisei posicionar minha família, amigos e parceiros do momento que estou hoje. Os coloquei a par das novas direções e desejos. De volta, eu recebi apoio e carinho. Sinto-me grato e abençoado por ter construído boas relações em minha jornada.


O teatro se torna agora minha fonte inesgotável de ser. Produzindo afeto, descobertas e avanço. Uma vez me disseram que só existe uma maneira de ser: sendo. E, talvez, apenas em um coletivo de teatro esse fenômeno possa ser compreendido. 


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