março 09, 2018

CRIAÇÃO E CRIAR CENA – O BARROCO QUE HÁ EM MIM.

Por: Fernando Lopes Lima.


Passou um bom tempo para eu conseguir escrever novamente aqui no nosso blog. Foi difícil terminar o ano passado, assim como está difícil iniciar um novo ano. Ou ainda, está difícil se livrar do passado para ter o presente e determinar, como se fosse possível, o futuro. Não sou de futuros. Me apego aos passados e adoro os presentes. O presente tem sido nosso discurso nestes tempos, digamos, sombrios, onde desconfiamos até da nossa própria sombra. Aliás, eu gostaria de descobrir uma maneira de se viver o presente, mesmo que haja saudade para os dois lados. Saudade do que já passou e saudade do futuro. A dor do presente é quase insuportável, mas eu sou mula, soldado, guerreiro, não caio tão fácil. Gosto de me recriar no meio desse caos, se não gosto, ao menos essa é minha caverna, se houver outra realidade desconheço. Acho que o mais difícil para um artista é criar vivendo um presente tão desmerecido, parece que andamos para trás, os otimistas que me perdoem, mas o ser humano vive seu apogeu de desumanidades. E assim fica quase impossível dar ao mundo algo que podemos chamar de presente. Acho que aprendi a viver num mundo singular, onde dava pra defender a humanidade, relembrado passados e exaltando esperanças de um futuro baseado em ações positivas, de igualdade, amor, fraternidade, progresso, união, tolerância, mas tome cuidado, essas palavras hoje em dia, podem ser usadas contra você. Nesse sentido, estou enfrentando dificuldades digestivas. E não pense você, leitor, que estou fugindo do tema proposto. É exatamente de criação que estou tentando escrever. Criar é libertar-se. Criar é recriar a si próprio. Mas criar é só pra mim? Só para os meus? Só para os que entendem como eu entendo? Qual será o meu interlocutor? Para quem eu quero dizer? Quem somos nós nesses tempos barrocos do século XXI? Se Deus está me vendo, é para ele que exibo todo o meu esplendor. Só pra ele. Mas, será que ele veio? O altíssimo? Se aqui está, não quer se envolver? Tá tudo tão sujo. Eu não me envolveria se fosse eu o próprio Deus? Serei eu Deus? Quem de nós pode espectar suficientemente o outro? Até para sentar-se diante de uma obra é preciso saber viver o presente. Do contrário somos um bando de moribundos. Só pó. Cruzes. A essa altura o leitor deste blog deve estar achando que enlouqueci, que não estou no meu juízo perfeito. Sim, tem razão. A cada minuto mais fora do juízo tenho andado, do perfeito, nem se fala. Perfeito mesmo só quem já morreu. Será que já morri? Morremos todos? O que é a vida? Não desista, caro amigo leitor, estou só testando sua paciência. Criar é tentar se comunicar com algo, com alguém. É falar do homem ao homem. É virar do lado avesso. É querer mais do que se tem e dividir tudo com todos, mas como eu disse antes, nestes tempos o criador encontra grandes dificuldades. Ele ainda cria por necessidade própria, mas fica mais distante de acreditar no ouvido e nos olhos dos outros. Parece que estamos esperando Godot. Eu, em 2018, me concentrei, tive que limpar umas sujeiras, controlar os nervos, animar a alma e de presente ganhei, ganhamos, a montagem de um espetáculo com patrocínio. Nosso primeiro patrocínio. Ótimo, era o que queríamos. Vamos começar a montagem. Vamos reler o texto, adaptar e tudo vai ser melhor. Não é de doce ilusão que vivem os criadores. O homem vive de que? Quando criamos um projeto, estamos quentes, queremos aquilo mais que tudo, mandamos para o edital, passam os meses, o tempo, que tudo afrouxa, e quando sai o resultado, aquele fogo precisa ser reaceso. E você que achava que tudo era intuição, magia. Que nada, estamos nós diante do passado, no presente, no futuro. Tudo ao mesmo tempo agora. Opa, não tem desespero, foi para isso que você lutou. Arregaçamos as mangas e começamos a trabalhar. Lentos, atrasamos tudo na medida que o patrocínio também atrasou. E vem cotidiano, sai um ator, que diz que vai viver sua vida, entra outro ator, que diz que se cansou da própria sua vida. O texto é como um monumento histórico, todo objeto estético é um monumento histórico. Tudo começa a começar. Oh, manhã dos inícios! Parece que o céu que tinha ficado cinza voltou a jorrar seu azul sobre nós. Que peso é ser feliz! Mas o mundo continua uma merda, uma lama. Ótimo, parece que esse é o caminho. Falar algo para o “desmundo”. O texto chama-se “A Vida é Sonho”. O autor é um Padre que escreveu seu texto no Século XVII, Barroco, a idade é média… Pedro Calderon De La Barca nunca foi tão atual, não por simples mérito do autor, mas por desmérito da sociedade, que insiste em andar para trás. Parece que estamos avançando na criação da cena. Os atores se preparam a cada dia para o grande dia. O texto está sendo confeccionado, uma adaptação, que me atravessa, que me modifica, que me processa. É isso que chamamos de processo. Não posso pretender mudar o mundo se não estou disposto a mudar a mim mesmo antes. E estou criando. Passo a passo. Tudo se encaixa perfeitamente. Eu criei para mim uma forma de escrever dramaturgia sem que eu crie uma palavra, sou um caçador de textos alheios, faço deles o meu discurso. Chamo essa técnica de “corte e cola”. É intenso esse tipo criação, todas são, mas essa não tem forma definida. Eu conto com os deuses que tenho a minha disposição, ferramentas intelectualizantes e meus companheiros. E tudo parece um rio, hora navego por águas claras e profundas e hora por águas rasas e turvas. Devagar e urgente tudo vai virando o drama de minha criação. A dramaturgia começa a virar cena, os atores dão suas enormes contribuições. Todo dia descobrimos pedaços. Criação é isso. Deixar as coisas entrarem em contato, em relação, permitir-se sentir dor, duvidar, enfraquecer e ressurgir, para voltar à caverna e tentar convencer os outros da nova realidade, mesmo que os outros só vejam sombras, mesmo que os outros ainda não consigam distinguir as experiências. Amá-los apesar deles. A vida é sonho, tens razão, meu caro Pedro, e que sonho! E tomara, eu, que a gente nunca desperte, e que sejamos capazes de transformar o nosso sonho no que desejamos para todos. Ainda que eu te pareça esquizofrênico, público meu, leitores, amigos e artistas, nunca desistam de acreditar que embora eu tente lhes dizer algo, é responsabilidade de vocês o quanto digo. Façam um bom proveito. Deus se cria enquanto cria. Amém.


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