março 24, 2018

EU. SENDO EU.

Por: Ligia Prieto.


Eu. Sendo eu. Eu invento uma coisa atrás da outra. Em novembro do ano passado resolvi que todos do Grupo Casa deveriam escrever textos mensais para que assim pudessem se representar diante de si mesmos. Somos um grupo de teatro em formação, estaremos sempre em formação, o conhecimento de si e do mundo é uma necessidade. Dessa forma todos seguiriam e seguiram, entendendo seu próprio ofício, colocando as palavras para funcionar como forma de sustentação da existência. E assim foi. Eu. Estou atrasada. Sempre atrasada. Não escrevo desde janeiro. Peço desculpas. Por isso resolvi escrever, neste artigo, sobre os últimos meses. Ou sobre os primeiros meses do ano, tudo é uma questão de ponto de vista.

Em Janeiro estávamos de férias. Na verdade, todos estavam, menos eu. Eu estava na organização de tudo, como sempre, hotéis, dinheiros, comidas, gasolinas, dirigindo (dividindo com o Fer) uma Kombi com 9 pessoas, cenários e bagagens. Viajamos todos juntos para as férias sem férias. Fizemos 4 apresentações, foram emocionantes, tivemos o primeiro surdo na plateia, e muitas outras experiências que só existe pra quem vive o teatro.

Na volta, pararíamos em muitos lugares, mas eu não percebia que não tinha tirado as férias, não tinha percebido que não tinha parado de trabalhar nem sequer 1 minuto. É realmente difícil parar quando a gente faz o que ama, é uma existência que insiste. Na volta, quando chegamos no Rio de Janeiro, no hostel, no banco e, finalmente, quando sentei no meu restaurante japonês preferido, que há tempos não ia, tive uma leve tontura. Muita estrada talvez. Quem dirige muito em estrada sabe que é um ótimo passo para a labirintite. Ainda no caminho de volta, em SP, a mesma coisa, hostel, restaurante para um jantar delicioso, na Augusta as poucas luzes me incomodavam, e tudo girava. Tudo bem, labirintite, estrada, calor, somos muitos, comidas, organizações, cálculos. E finalmente em CG. Em cena, e a gente não para nunca. Por mim eu não parava nunca mesmo. Mas meu corpo me deu um grito “pare o mundo que eu quero descer”. Fiquei fora de cena por duas semanas seguidas. Foi uma dor. E ao mesmo tempo lindo, ver o grupo em funcionamento com outro olhar, eles cresceram, foi como uma mãe que vê o filho passar no vestibular, ou fazer seu primeiro desenho, ou.... o que quer que seja. Mas mesmo assim o mundo real tá uma grande tragédia, e eu não conseguia parar de pensar, e de elaborar fórmulas e meios de sobreviver, de viver do que amo, de mudar a mim, de mudar o mundo. Então eu pifei. Foram pelo menos 30 dias tomando remedinhos para dormir (homeopáticos, claro), voltando para a análise, e um novo/velho amor, o pilates. O diagnóstico era “ela está com um ataque de estresse, precisa parar”. 

Precisa. Necessidade. Reorganizei tudo. Fase de desmame. As roupas nas gavetas. As comidas na geladeira. As dores no peito. Os medos nas unhas. Sono. Homeopatia. Fim do anticoncepcional. Meu corpo. Minhas regras. Alimentação de tudo que sai da Terra, ou o que ainda resta dela. Respiração. E então precisamos retomar os ensaios e a montagem do espetáculo “A vida é sonho”, afinal de contas a estreia tá aí e o tempo urge. Aulas, apresentações da Turma do Bagacinho, ensaios. Primeira reunião, um ator informa sua saída do Coletivo. É difícil. É difícil entender onde termina minha individualidade e começa o coletivo. Onde termina minha vaidade e começa o teatro. Vaidade, individualidade, são palavras que não combinam com teatro. Teatro é a grande arte do SIM. De seguir pra lá. Não há lá, lá. Fim? Reorganiza tudo outra vez, ensaios, encontros, atores, personagens, roupas nas gavetas, comidas na geladeira. Cachês. Individualidades. Enfim, recebemos um banho de esperança, amor, carinho e trabalho, não há outro caminho senão o trabalho. Recebemos, na nossa sede, Tiche Vianna e Ésio Magalhães. Sim, tudo é possível. Sim, a arte insiste. Sim, teatro se faz em coletivo. Sim, não temos outro caminho. Momento de afirmação, sem desistir da formação. E então, outro ator que tinha acabado de iniciar não se deu o tempo de entender e disse não. Oh manhã dos inícios! Ainda assim a melhor coisa do mundo é a seleção natural. Então sigamos. Os melhores são os que ficam. Somos nós ainda, e tomara que pra sempre, Fernando, Ligia, Thaisa, Kelly, João, Febraro, Gabriel, Roberto, e nas bordinhas sempre presentes Thiago, Sarah, Amanda e Ana Julia. Uma linda menina entrou, nos trazendo sorrisos, seja bem-vinda Bruna, fique o tempo que quiser. A vida é a arte dos encontros, embora haja tantos desencontros pela vida.

Parei, retomei, reorganizei. Refazendo bordas. Sentindo meu corpo outra vez. Minha alma. Minhas certezas. Eu. Mulher, 30 anos, numa cidade tradicional e machista. Eu. Diretora de teatro, produtora, atriz, padeira, cozinheira, faxineira, cabeleireira, menina, dona de alguns cachorros e alguns projetos bem interessantes. Teatro se faz todos os dias, até quando se para. Depois de “Lugar Nenhum” de Neil Gaiman, passei para “A Insustentável leveza do ser” de Milan Kundera. Ser artista todos os dias. Acompanhada pela história do Grupo Galpão e pela história do Teatro de Soleil, os dias seguem, juntos, teatro de grupo. Os dias andam difíceis para os sensíveis. Só os imbecis não vêem. O problema é que a gente tem visão periférica, vê inclusive o que não queríamos ver. “E ser artista no nosso convívio, pelo inferno e céu de todo dia. Pra poesia que a gente não vive.” Fazer teatro, é viver teatro. Não há meio termo no mundo. Teatro, é muito mais que uma profissão, é uma ideologia de vida. É política. É gente. É ser humano. É liberdade. É existência. Meu desejo é que no meio disso tudo a gente faça borda. Chega de deixar o mundo escorrer por entre os dedos. Vamos fazer bem feito, de verdade, se for preciso dar uma pausa, que fique claro, é só pra amolar a faca.  Estamos em guerra!

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