março 24, 2018

ÓCIOS DO OFÍCIO – A ARTE DE FAZER ARTE.

Por: Fernando Lopes Lima.


Chegou a hora, caros amigos, de dividir um pouco das reflexões que esse meu corpo insiste em produzir por necessidade própria. E hoje eu vou reagir. Pensar sobre os ócios do nosso ofício. Oh, quanto sangue nosso derramado todos os dias para produzir arte! “Minha carne é de carnaval, meu coração é igual”. Primeiro de tudo, e qualquer coisa: o que é arte? Várias são as definições de arte e todas elas de uma maneira ou de outra estão corretas; expressão da liberdade humana; criação humana de valores estéticos etc… Certamente todas essas concepções de arte têm seu sentido e valor. A arte é, por excelência, o lugar de conhecimento, feitura e expressão. Em resumo, a arte como um fazer, arte como conhecimento e arte como expressão. Vamos então destacar o teatro e ater as nossas reflexões somente a essa secular expressão artística. Então, o que é teatro? Para definir teatro, primeiro vamos à origem da palavra que vem do grego Theatrón e significa “lugar para contemplar”. Lugar para observar atentamente, para analisar. A plateia tem uma função ativa na sua própria origem, é dela o lugar de ver. O teatro é do público, com o público, para o público. Nós artistas não podemos nos esquecer jamais dessa máxima. Não é para satisfazer meu ego que faço teatro, tampouco para satisfazer o ego do público, pois não se trata de apresentar aquilo que ele quer ver e ouvir, mas é por necessidade que estamos diante nós mesmos para refletir sobre nós mesmos. O Homem diante do Homem. Portanto, todo objeto estético é um monumento histórico. O objeto teatro que está diante da plateia reflete o conjunto de artistas que se debruçaram sobre o material e a obra reflete a sociedade que está representada pelo público, que está diante de si mesmo, analisando-se. O público deve ser capacitado, capacitar-se, para ver cada vez melhor, e os artistas idem. A sociedade que não sabe ver-se é uma sociedade que fracassou. Tanto artistas quanto público estão cegos e nesse sentido não há o que se ver, e se não há o que se ver, não há teatro. O mais grave: se não há teatro a gente perde a possibilidade de construção do humano. Se paramos de construir o humano começamos, naturalmente, a nos desumanizar. Não avançamos. Nos tornamos uma sociedade de Homens desumanos. Essa humanização é a função máxima da arte do artista. E o teatro, na prática, coloca o Homem/plateia diante do Homem/artista e a força desse ato gera paixão imediata, gera ação, vibração, força, e essa força nos leva adiante. O teatro (re)inventa o humano. Por isso é uma arte libertadora, por isso é uma arte perigosa, e por isso ainda é tão combatida pelos governantes conservadores. Aqui começa uma luta extra, de uma classe que há muito vem sendo vilipendiada e que tenta construir leis mais sólidas que garantam melhores condições para o acontecimento artístico teatral. Os artistas, muitas vezes, têm de deixar seus afazeres para defenderem seu ofício e, quando a fome bate à porta, nós, artistas, acabamos por ter outros ofícios, que nos garantam o sustento e isso nos encaminha para a cegueira de todos. Quando o artista de teatro não consegue passar horas diárias trabalhando em sua matéria, o teatro, muitas vezes, se fragiliza e se afasta cada vez mais de sua função máxima de humanização. Não é fácil estar diante da matéria que se pretende transformar em obra de arte e que vai estar diante do público. O teatro, em muitas cidades brasileiras, se transformou em passatempo, atividade secundária dos artistas que, para se manterem, tem de trabalhar em outras atividades. Se você, artista, divide seu tempo com outras atividades, que tira o valor da arte como atividade principal, é, por deficiência, de uma sociedade que não compreende o valor da arte. Luto para que os artistas possam passar horas do seu dia debruçados em um processo de montagem antes de apresentá-lo ao público. Eu não faço teatro por obrigação, faço teatro por necessidade, por obrigação temos que fazer o nosso melhor, oferecer ao público um conteúdo fruto de uma experimentação séria, e isso só é possível fazer com muita dedicação, estudo e trabalho. Nesse mundo desumanizante, o artista precisa utilizar sua ferramenta para lutar contra as máquinas, contra a frivolidade, contra os desumanos que fazem trincheira e pretendem piorar o mundo. Ao público eu digo: clamem por teatro, não deixem os teatros fecharem. (Em Campo Grande/MS, o teatro do Paço está fechado há trinta anos e o Teatro Aracy Balabanian fechado há quase três anos). Aos meus amigos artistas eu digo: não se contentem com pouco, com migalhas, e não façam seus espetáculos para agradar a si próprios, busquem referências, saiam da bolha regionalista, ganhem o mundo e voltem para suas cidades com o novo misturado. O teatro é uma arte muito antiga, tudo já foi experimentado e, mesmo assim, é uma arte que se renova a cada encontro com o público, porque o público, por sua vez, se renova a cada sessão. Não se pode assistir a mesma peça duas vezes, pois você já não será o mesmo e a peça tampouco. Lembrem-se, meus amigos, aqui falo eu, e o quanto digo é problema de vocês. Beijos e até.


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